Pedro Siza Vieira é o ministro da Economia e Transição Digital e o número dois do Governo. Confia que muitas empresas já serão capazes de recuperar sozinhas da pandemia e para as outras explica que o Governo está disponível para ser uma espécie de co-investidor.
Estamos na semana do fórum para a transição digital, que é também a semana da Cimeira Social com que o Governo quer marcar este semestre europeu. Que avaliação é possível fazer da transição digital que esta pandemia obrigou ou acelerou?
Acelerou, é como diz. A transição digital está em curso desde há alguns anos. No início da legislatura, o Governo identificou a transição digital como um dos quatro desafios estratégicos para a década. O plano de ação que aprovamos visa capacitar as pessoas, ajudar a transformação digital das nossas empresas, transformar a administração pública, utilizando as tecnologias digitais.
Neste ano, a resposta à pandemia obrigou a acelerar este processo. Passámos de 40% de empresas com presença na internet para 60%. As vendas online aumentaram brutalmente. Muitos mais cidadãos passaram a fazer pagamentos eletrónicos. Muitas que tinham até medo de utilizar a internet começaram a fazê-lo para se relacionarem com os serviços públicos ou o seu banco. Isso diz-nos que a nossa economia e a sociedade estão mais preparadas do que supúnhamos para abraçar esta transição digital.
Do ponto de vista dos trabalhadores e das empresas, muitos foram obrigados a fazer essa transição digital e nem todos o terão conseguido fazer. Quem é que vai ficar para trás?
O desafio é não deixar ninguém para trás. O desafio como UE é assegurarmos que cada vez mais pessoas tenham acesso à formação necessária. É por isso que Plano de Ação de Transição Digital e no PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] a parte de leão está muito vocacionada para as competências digitais.
Existe algum levantamento sobre as empresas que têm essas necessidades mas também das que não estão a conseguir resistir a esta crise que estamos a viver?
No âmbito do programa Indústria 4.0, fizemos precisamente o levantamento do nível de maturidade digital das empresas. Há dois anos, 25% tinham-no.
E as que agora não terão viabilidade?
As empresas que agora não terão forma de melhorar as suas operações, o relacionamento com clientes e fornecedores com recurso a tecnologias digitais vão ter cada vez mais dificuldade em manter-se em atividade. Por isso, estamos a tentar capacitar empresas com programas de mentoria digital, apoio à aquisição de tecnologias.
Como se resolve a “bomba relógio” das moratórias de crédito?
Já ouvi falar muito dessa expressão. Falando francamente, não é uma bomba relógio. Durante o período mais crítico de encerramento de atividade, entendemos proteger a tesouraria das empresas. Segundo a avaliação do Banco de Portugal, ao longo deste tempo, desde o início das moratórias até setembro, as empresas puderam poupar cerca de 11 mil milhões de euros. Os depósitos das empresas aumentaram 9 mil milhões de euros. Para as empresas que foram mais impactadas pela crise, como o comércio, turismo, restauração, em alguns segmentos da atividade industrial como o vestuário, a saída da crise vai demorar mais algum tempo. Precisamos de ajudar não as empresas em geral, mas estes segmentos onde o impacto da crise foi maior e onde a retoma foi mais lenta.
Ajudar como?
Nestes setores, é conveniente darmos mais tempo, espalharmos a amortização da dívida por mais anos, sermos capazes eventualmente de dar algum período de carência durante os primeiros tempos, dois, três anos.
Como é que isso será feito?
Encorajamos, e estamos em discussão com o sector bancário, a que os bancos que conhecem melhor a situação dos seus clientes possam ter discussões com os clientes no sentido de perceber qual é a reestruturação [da dívida] que faz sentido para cada um: é mais tempo, é carência, etc. O Governo está disponível, caso os bancos acordem com os seus clientes essas reestruturações, para garantir uma parte dessa dívida, para cobrir algum risco.
Através do Banco de Fomento?
Sim.
E o BEI, também entra aí?
O BEI vai ter outras intervenções. Não quero misturar os temas. A minha mensagem é esta: as moratórias de crédito foram críticas para ajudar as empresas a ultrapassar este período, grande parte dos setores de atividade vão ter capacidade (e nós estamos a avaliar isso quase semana a semana), sem esforço desproporcionado, de voltar a enfrentar o serviço de dívida regular. Em alguns setores, ou subsetores mais afetados, precisamos de trabalhar com o sistema bancário para dar condições para eles espalharem o prazo de amortização da dívida.
O Estado aparece como garante...
... de uma parte da dívida. Não temos disponibilidade nem faz sentido continuarmos a ter uma medida transversal. Será uma medida para alguns. Até do ponto de vista do regime europeu de auxílios de Estado, em que os Estados não podem apoiar todas as empresas sem ter uma autorização da Comissão Europeia, essa autorização tem determinadas balizas. É essa a discussão que estamos a ter com a Comissão Europeia, pois alguns setores mais afetados justificam ter um auxílio particular e esse auxílio pode consistir em ajudar as empresas a criarem as melhores condições para estenderem as suas responsabilidades pré-Covid para um ritmo mais adequado à sua capacidade.
Tem noção do risco que isso pode vir a representar para o Estado? A cada empresa vai ser aplicada um estudo de viabilidade para perceber se o risco é muito grande ou não?
É por isso que dizemos que o mais adequado é que as empresas e os seus credores, os bancos, possam perceber qual é a melhor situação. Ao dar uma garantia sobre parte da dívida, estamos a facilitar esses processos. Isto não é um risco maior para o Estado. Nos próximos anos, precisamos criar as melhores condições para a economia retomar um ritmo de atividade crescente em que vinha desde 2015, assegurar que as empresas tenham condições para continuar a investir, criar emprego e pagar melhores salários.
Para isso, temos que criar um contexto em que as empresas não saiam desta crise com uma dívida excessiva ou com uma capacidade reduzida de investimento durante muitos anos. Temos que assegurar as melhores condições para um crescimento vigoroso. Criar condições para sair bem da crise é reduzir o risco para as finanças públicas. Mas temos que mudar de apoiar a manutenção de emprego indiscriminadamente para uma situação em que apoiamos a criação de empregos nos sectores que podem precisar de mais pessoas.
O líder da CIP costuma dizer que não faz sentido apoiar empresas que não são viáveis. Partilha desta visão?
Claro que sim, mas não sei se estamos já na situação em que conseguimos fazer a avaliação de se as empresas são viáveis ou não por si próprias. Quando decidimos e orientamos apoios, temos que ter em conta o contexto. Uma coisa são os apoios indiscriminados enquanto o contexto é adverso, outra coisa são apoios dirigidos à recuperação de empresas concretas. Aí, é que é preciso fazer uma avaliação muito difícil entre as que são viáveis e as que não o são.
Quando pensamos em mecanismos de capitalização de empresas (incluímos no PRR um envelope financeiro muito significativo para apoiar a capitalização de empresas), quando se trata de dizer que o Estado vai co investir com os sócios nas suas empresas ou vai fazer instrumentos híbridos em que nós damos alguma coisa que não é capital social, não dilui a posição dos sócios, mas conta como capital próprio das empresas, temos que ter a certeza, porque é dinheiro do contribuinte que estamos a meter, empresas que têm potencial de recuperação e que, portanto, é um investimento que vai ser recuperado e não um apoio a fundo perdido que fizemos indiscriminadamente na fase mais aguda da crise.
O Estado não deve capitalizar empresas em dificuldades sem que os sócios e os outros credores tenham primeiro feito um esforço de perceber se a empresa é viável, de sacrificar aquilo que foram os seus créditos anteriores ou o seu investimento.
Essa capitalização em termos técnicos será feita como?
Vamos criar um fundo com as verbas do PRR que vai poder investir de várias maneiras: diretamente em empresas, co-investir com investidores privados ou até colocar algumas verbas em operadores de capitais de risco que queiram eles ir buscar outros investidores para entrar no capital de empresas.
E pode fazê-lo de várias maneiras, seja subscrevendo capital social, que acredito que vá ser residual nesta altura, seja através destes instrumentos que se dizem híbridos ou de quase capital em que o Estado investe ou garante investidores privados, mas numa perspetiva em que o reembolso e a remuneração ficam dependentes dos resultados das empresas. É quase correr o risco de um investidor em capital, mas sem participar na gestão da empresa. Isto tem que ser exigente. Está a ser bem desenhado.
As regras europeias permitem-no ou tem que ser negociado?
Permitem dentro de certas condições. A UE aprovou no ano passado, e tem vindo a atualizar, o chamado quadro temporário de auxílios de Estado para a covid. A lógica é permitir que o Estado possa apoiar empresas que eram saudáveis antes da crise e que entraram em dificuldade só por causa da crise. O dinheiro dos contribuintes deve entrar em empresas em dificuldades enquanto os sócios e os seus credores não tiverem primeiro digerido a perda, o dinheiro do contribuinte deve apoiar empresas viáveis depois dos seus responsáveis e credores terem também feito algum sacrifício.
A compensação pelo aumento do salário mínimo ainda não saiu do papel, apesar de estar anunciada há cinco meses.
O último Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei a estabelecer os termos desse apoio. Vamos pagar às empresas um determinado montante por cada trabalhador que estivesse a receber salário mínimo a 31 de dezembro de 2020 e que ainda se mantenha nos quadros da empresa. Esse apoio corresponde a 84,5 euros por posto de trabalho.
São cerca de 84% do aumento do encargo com a TSU [taxa social única] decorrente do aumento do salário mínimo nacional em 2021. Para os trabalhadores que a 31 de dezembro auferiam mais do que o salário mínimo, mas menos do que o novo valor do aumento do salário mínimo nacional, o apoio consiste em metade daquele valor: 42,3 euros.
O apoio, portanto, é através da TSU?
Não. É mesmo um pagamento direto às empresas correspondente a 84% do aumento do encargo com a TSU que as empresas vão ter em 2021 por causa do aumento do salário mínimo nacional.
Quanto é que isso custará ao Estado?
São cerca de 60 milhões de euros, talvez um pouco mais.
Mas isso só acontecerá em 2021? Não será válido para os aumentos subsequentes do salário mínimo?
No final do ano passado, quando decidimos aumentar o salário mínimo nacional, reconhecemos que estávamos num contexto de grande incerteza económica e de grandes dificuldades para um conjunto grande de empresas. É muito importante prosseguir a trajetória de subida do salário mínimo. Grande parte da pobreza continua a ser em pessoas que trabalham e que auferem o SMN [salário mínimo nacional].
Mas ainda não respondeu. É só para 2021?
Reconhecemos, no entanto, que num momento de dificuldade e incerteza económica em que estamos a dar tantos apoios às empresas para manterem a sua atividade, devemos fazer corresponder este esforço adicional com o pagamento de mais encargos salariais com um apoio extra para os ajudar a fazer face aos encargos que esses são receita pública.
Devolvemos aquilo que é o acréscimo de receita pública através da TSU. É um apoio excecional que se justifica neste ano de grande dificuldade. Não creio que, por regime, devamos pensar que um aumento do SMN imponha um apoio público. A maior contrapartida que as empresas têm pelo salário que pagam é o trabalho que os trabalhadores prestam.
Portanto, é só para 2021.
É para 2021.
Em matéria de teletrabalho porque é que o Governo tem resistido a tabelar um valor mínimo de despesa a pagar aos trabalhadores?
Não queria entrar nesse detalhe. A melhor forma de discutir estas matérias é em sede de concertação social. Só depois devem intervir os órgãos legislativos.