Pavel Storchak, de 32 anos, nasceu na pequena aldeia de Lososin, na região de Brest, na Bielorrússia. Aos 16 entrou na Universidade Internacional do Ambiente de Sakharov, na cidade de Minsk.
“Nasci numa pequena aldeia na Bielorrússia. A minha mãe é bielorrussa e o meu pai é ucraniano. Somos uma família multicultural. Vivi o tempo todo na Bielorrússia, mas todos os verões, ia para a minha família na Ucrânia durante pelo menos dois meses”, conta à Renascença.
Pavel, agora aluno da licenciatura em Comunicação Multimédia – apesar dos sete anos como docente do ensino superior – assegura que a maior parte dos bielorrussos não quer esta guerra: “Sempre vivemos em harmonia, íamos à Ucrânia para descansar, fazer compras e nunca tivemos problemas com a Ucrânia. Temos culturas e religião similares. Os bielorrussos pensam que a guerra nem sequer é possível, porque nunca tivemos problemas”.
Na Bielorrússia, Pavel Storchak prosseguiu os estudos superiores e tornou-se professor universitário na área da ecologia humana, tendo lecionado na Belarusian State University e na Belarusian State University of Physical Culture até 2021.
O clima de medo e perseguição após as eleições presidenciais de 2020, fizeram com que rumasse à Polónia com a justificação de continuar os estudos académicos, na AHE (The University of Humanities and Economics in Lodz).
“A Bielorússia é um país bastante fechado. Infelizmente, ninguém se pode sentir seguro e não estou a falar de crime. Penso que esta é uma característica de um regime autoritário. A Bielorrússia tem o serviço militar obrigatório e ali estão a tentar destruir a pessoa como indivíduo. Sei o que é, pois estive no Exército.” Conta que após as eleições de 2020, que deram a vitória ao Presidente Alexander Lukashenko para um sexto mandato, a repressão começou na Bielorrússia, visando principalmente os pensadores e quadros superiores.
Eu só tinha uma escolha - ir para a prisão pelas minhas convicções, ou fingir que não houve espancamentos e violações de manifestantes pacíficos em todas as cidades da Bielorrússia, fingir que a capital não esteve acordada durante duas semanas com explosões constantes, fingir que os resultados das eleições não foram manipulados
Pavel encontrou o refúgio na continuação dos estudos. “Tinha de ter uma razão para sair do país e comecei a estudar na Polónia. Há muitos bielorrussos a ir para a Polónia. Inicialmente era bom, mas depois da guerra, começámos a ter problemas”, recorda.
Depois de iniciado o conflito na Ucrânia, deixou de se sentir bem acolhido na Polónia, onde também trabalhou como voluntário nos campos de refugiados, em Olsztyn, apoiando crianças ucranianas.
“Depois da guerra, o comportamento da Polónia mudou, não posso ir a um café com o passaporte bielorrusso e quando eles percebem que falamos russo, podemos ter problemas. Estou muito grato à Polónia por acolher mais de 300 mil bielorussos, mas depois de 24 de fevereiro, a atitude das pessoas para com os bielorrussos mudou”, comenta.
Recorda que na Polónia trabalhou com crianças ucranianas, mas nunca falava do seu passaporte, porque todos pensavam que eram a favor de Moscovo. “Que eramos más pessoas e as crianças começam a ouvir esse discurso dos pais. É um grande problema, mas têm de entender que Alexander Lukashenko não é toda a Bielorrússia, é apenas um ditador”, defende o professor, lembrando as suas origens.
“O meu pai era ucraniano, por isso, metade da minha família está lá agora. E o que está a acontecer é duplamente assustador para mim. Afinal, mesmo quando acabar, com o meu passaporte, não poderei visitar a minha família na Ucrânia”, lamenta.
Não é a Bielorrússia que decide sobre uma intervenção militar
Pavel Storchak revela ter participado em manifestações contra o regime instalado, o que lhe trouxe problemas: “Não fiz nada de ilegal, mas durante os protestos fui voluntário da Cruz Vermelha e, por isso, que fui despedido. O meu chefe disse que era 'politicamente pouco fiável'.”
Recentemente, o Presidente da Bielorrússia disse que todos os que foram para o estrangeiro são inimigos do país e deveriam ser privados da sua cidadania. “Portanto, se eu voltar agora, tenho dois caminhos - ir para o exército ou ir para a prisão”, desabafa, lembrando estar em curso uma guerra e que anunciado um campo de treino militar na Bielorrússia.
Nestas declarações não esconde o medo. “A minha situação é muito precária neste momento. Compreendo que posso ser enviado para a Bielorrússia a qualquer momento.”
O Presidente Aleksandr Lukashenko garantiu que o seu país não se juntará à Rússia na guerra na Ucrânia, mas Pavel duvida dessas palavras. “Todos deveriam compreender que, infelizmente, Lukashenko não resolve tais questões. O exército russo está no território da Bielorrússia, onde o povo é contra a guerra. Mas a economia bielorrussa está totalmente dependente da Rússia,e há uma pressão muito forte”, argumenta.
“Não é o Presidente que decide se envolverá ou não nesta guerra. No nosso território está o exército russo e somos como uma parte da Rússia.”
O sonho de um visto português
Esta sexta-feira fez um ano que deixou a Bielorrússia. Não o fez logo após as eleições, pois o pai ficou muito doente e morreu e não quis deixar a mãe, acabando por ficar mais um ano.
Contudo, quando o melhor amigo foi raptado no meio da cidade por desconhecidos a mãe disse-lhe para partir. “Encontrei o meu amigo apenas três dias depois na prisão”, conta emocionado, sublinhando que “o amigo esteve numa cela com 10 pessoas, onde só cabiam quatro - as prisões estão sobrelotadas”.
O caminho a fazer não foi fácil, pois os países fecharam as fronteiras devido à pandemia e a Bielorrússia fechou para não deixar sair do país. “Precisava de uma razão para deixar o país. Havia um programa para os bielorrussos na Polónia e inscrevi-me e eles aceitaram-me para estudo gratuito. Após ter estudado na Polónia durante um ano candidatei-me ao programa de intercâmbio internacional Erasmus+ e decidi imediatamente vir para Portugal.”
Já tinha estado em Portugal, como voluntário em Lisboa, e apaixonou-se pelo país.
“Preciso do visto português e de papéis da polícia bielorrussa, mas não posso ter esses documentos porque tenho de lá voltar. Não sei o que vou fazer no futuro, mas quero ficar em Portugal, não quero voltar para a Polónia, onde também começámos a ter problemas - aqui é pacifico, calmo.”
O professor universitário bielorrusso imagina uma vida feliz em terras lusas.
Na Bielorrússia não se deve cantar em bielorrusso
Pavel mostra os vídeos de protestos em que participou durante 2020, após as eleições que deram a vitória ao Presidente Lukashenko para um sexto mandato. Só pode mostrar no Youtube, pois teve de eliminar tudo do telemóvel. “Eles podem tirar e aceder ao teu telefone...por isso apaguei tudo no telemóvel, nas redes sociais e nos chats. É muito perigoso”, sublinha.
Entre lágrimas, recorda a sua partida. Os seu alunos foram à estação de autocarros para o verem partir. "Uma estudante, sabendo que adorava o cão de raça pug, ofereceu-me um feito em tricot que anda sempre comigo, é um símbolo. É o meu melhor amigo, nunca me sinto sozinho, porque me lembra que muitos estudantes gostaram de mim.”
A mãe e o irmão de 39 anos continuam na Bielorrússia. Conta que fala com eles todos os dias e que está preocupado devido ao clima de tensão. Afinal, se o país se envolver no conflito, o irmão vai ser chamado para combater.
“É difícil lembrar o meu país, recordar os que morreram e que alguns dos meus alunos estão presos. Em 2020, tivemos as eleições com Lukashenko a dizer que as ganhou e imensa gente na rua a dizer que ele não ganhou. A nossa capital foi bloqueada e todo os dias ouvíamos tiroteios. As pessoas têm medo e muitas pessoas foram presas”, denuncia.
Nesta entrevista conta algo caricato. Na Bielorrússia ou se canta em russo ou fica-se em silêncio. “ É uma situação estranha e perigosa, pois podes vir a ter problemas. É a dominação da cultura russa”, conclui.