O Governo português não gostou de ver Espanha impor uma quarentena a cidadãos estrangeiros sem um contacto prévio, diz o chefe da diplomacia portuguesa. Augusto Santos Silva lamente a decisão unilateral.
“Nós não gostámos que a decisão de impor uma quarentena [a cidadãos estrangeiros] não tenha sido previamente comunicada a Portugal. Nem nós nem a França, dois países que fazem fronteira terrestre com Espanha, se esquecermos Andorra”, afirmou o ministro no podcast socialista “Política com Palavra”, na quarta-feira à noite.
“Salvo esse percalço, a coordenação tem sido perfeita e estamos a trabalhar com Espanha e com França para assegurar aquele que é o nosso objetivo essencial: além do trânsito de mercadorias e dos residentes, assegurar que os emigrantes portugueses que não são residentes em Portugal, mas que querem vir de férias, têm corredores de passagem em Espanha”, sublinhou.
Coordenação harmoniosa é também o que tem existido entre o Governo e a Presidência da República. O ministro dos Negócios Estrangeiros não disse se apoia a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, mas defendeu a continuidade da atual articulação entre Belém e São Bento.
“As personalidades do atual Presidente da República e do primeiro-ministro combinam harmoniosamente e eu já disse que a coordenação institucional e o respeito institucional entre o Presidente da República e o Governo correu otimamente bem”, começou por dizer.
“Acho que o país ganhou com isso e acho que o país, nos próximos tempos, precisa que essa articulação harmoniosa entre a Presidência da República, o Parlamento e o Governo continue. Não tenho a mínima dúvida”, reforçou.
Apoio a Marcelo? Veremos
Quanto ao apoio do PS a uma recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, Santos Silva desvaloriza as palavras de António Costa na Autoeuropa e diz que o partido decidirá o seu apoio “depois de ser claro quais são as candidaturas”.
“Não creio que o primeiro-ministro tivesse feito um pré-apoio – aliás, o primeiro-ministro fez uma constatação muito simples e óbvia. O Partido Socialista, a seu tempo, apoiará um candidato ou decidirá não apoiar um candidato, porque já fez as duas coisas”, afirmou.
“Até lá, há sempre um debate muito vivo”, em relação ao qual “só tenho a dizer uma coisa: têm tanto direito a falar aqueles que apoiam uma eventual recandidatura do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa como aqueles que a contestam e apoiam outras”, defendeu.
O “milagre português” e o entendimento com PSD
No podcast “Política com Palavra”, o ministro dos Negócios Estrangeiros comentou também aquilo que é denominado “o milagre português”. Espanha, por exemplo, é dos países que olha para Portugal como uma referência na maneira como reagiu e está a lidar com a pandemia do novo coronavírus.
"O que é que as pessoas mais reconhecem no caso português? Três coisas: invejam a disciplina dos portugueses, a forma como assumiram regras; a nossa capacidade de reação rápida; e a unidade nacional em torno disto", resumiu.
Admitindo que “vivemos uma crise”, Santos Silva fez questão de diferenciar crise de austeridade. “É uma coisa diferente. Austeridade é aquela célebre teoria da desvalorização interna", sustentou.
"O que o Centeno do PSD diz e o que o Dr. Rio diz são coisas diferentes", acrescentou, considerando, contudo, que “é possível o entendimento [com o PSD]” no que toca ao Orçamento Suplementar que será apresentado pelo Governo.
A bazuca franco-alemã
A proposta franco-alemã para o fundo de recuperação coloca a resposta europeia à crise “perto da bazuca”, disse Augusto Santos Silva. A ser aprovada, a proposta eleva o valor global além do bilião de euros.
“Se esta proposta vencer, estaremos perto” da bazuca, afirmou utilizando a expressão utilizada pelo primeiro-ministro, que, em abril, disse ser necessário saber se a União Europeia (UE) vai usar “uma fisga ou uma bazuca” para responder à crise provocada pela pandemia de Covid-19.
O ministro dos Negócios Estrangeiros destaca que o plano franco-alemão, no valor de 500 mil milhões de euros, se junta (se for aprovado) ao pacote de 540 mil milhões de euros do Eurogrupo, ultrapassando o bilião de euros (um milhão de milhões).
Augusto Santos Silva frisou que a decisão ainda não está tomada, porque o plano tem de ser aprovado por consenso no Conselho Europeu, mas admite que ter a Alemanha do lado dos que defendem “uma resposta europeia que não deixe cada país sozinho”, “faz a diferença” e acrescenta “capacidade de persuasão no Conselho Europeu para chegar à unanimidade”.
“O facto de a Alemanha ter endossado esta proposta é muito importante – não para Portugal, Itália, Espanha ou França, mas muito importante para o conjunto da União Europeia”, defendeu.
As reservas dos chamados países “frugais” – Áustria, Holanda, Dinamarca e Suécia – a um plano de recuperação assente em subsídios ou financiado pela emissão comum de dívida, como prevê o plano franco-alemão, devem-se, segundo o ministro, a “miopia económica” ou “a incapacidade de olhar a uma certa distância”.
Augusto Santos Silva defendeu ainda a necessidade de “olhar com cuidado” para as previsões económicas da Comissão Europeia, que anteveem “uma pancada brutal” na economia europeia em 2020, mas também uma “recuperação económica imediata” nos dois anos seguintes.
“Se reparar, [as previsões] são mais ou menos equivalentes para todos os Estados-membros. A Suécia, a Holanda, a Alemanha, têm previsões de queda do produto iguais ou superiores às de Portugal e, portanto, esta é uma crise que nos toca a todos”, salientou.
Plano A, B e C para presidência da UE
Questionado sobre o impacto da pandemia na presidência portuguesa da UE, que começa no primeiro semestre de 2021, Santos Silva afirmou que a questão se coloca sobretudo do ponto de vista logístico.
“Estamos neste momento a trabalhar com um plano A, um plano B um plano C”, disse.
O plano A dependente de não haver uma segunda vaga e as condições de mobilidade estarem adquiridas, passa por reuniões informais “distribuídas pelo território português, uma cimeira informal dos líderes no Porto e a sede da presidência aqui no Centro Cultural de Belém”.
O plano B, numa situação de mobilidade um pouco mais reduzida, implica a redução do número das reuniões presenciais e o recurso a reuniões, por exemplo, por videoconferência, e o C, o pior dos cenários, com uma mobilidade suspensa, em que “o essencial da logística” assentará na dimensão digital.
“Mas, qualquer que seja o plano que do ponto de vista logístico venha a efetivar-se, do ponto de vista político a presidência portuguesa vai ser, como as anteriores, abrangente, bem sucedida e um contributo positivo para a integração europeia”, garantiu.