Benício tinha apenas sete meses quando lhe foi diagnosticada uma leucemia. Os pais, nessa altura, viviam no Brasil, e foi aí que o bebé recebeu tratamento e foi dado como curado.
Quando a família se mudou para Vila Real, em 2022, mal podia imaginar que alguns meses depois o mundo ia desabar de novo, tal como da primeira vez.
“Estávamos com a vida normal, quando a doença recaiu”, lembra Vilka Rodrigues. De um momento para o outro, tudo mudou.
O mestrado que Vilka estava a frequentar na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro teve de ser suspenso. A atividade profissional que Dário, o marido, realizava em Vila Real, deixou de ser viável porque as viagens para o Porto, para tratamentos no Instituto Português de Oncologia, tinham de ser constantes.
"Todos sabem o que o outro está a sentir"
É para casos como o da família Rodrigues que a associação Acreditar criou uma residência no Porto. É uma casa que acolhe crianças e jovens com cancro e os seus parentes que vivem longe, mas “têm que estar perto dos hospitais para fazer tratamentos diários ou quase diários”, explica Ana Monteiro, a gestora da região norte da Associação Acreditar.
A casa, construída em 2016, pode acolher 16 grupos familiares em simultâneo. “Temos a casa praticamente cheia”, diz Ana Monteiro. “Há muita necessidade deste tipo de apoio”, justifica.
Ainda assim, “neste momento, não existe lista de espera. Temos conseguido fazer face aos pedidos que temos tido”, garante.
A empatia entre quem mora na casa é quase natural, diz a responsável. “Há uma vontade de ajudar muito grande e que acontece naturalmente, porque todos sabem o que o outro está a sentir."
“As crianças também se tornam amigas, brincam umas com as outras e também se ajudam”, acrescenta.
Como a casa está aberta todos os dias, muitas famílias passam ali o Natal. A associação assegura a compra dos produtos necessários, mas a confeção da ceia fica a cargo dos moradores. “As famílias mobilizam-se de forma muito especial para preparar a ceia de Natal. Acaba por ser uma família muito grande e uma nova família que se cria, que se constrói”, refere Ana Monteiro.
"A doença é de toda a família"
Nesta altura, cerca de metade dos doentes acolhidos na Acreditar do Porto são estrangeiros.
Arina e Faizal vieram de Moçambique em 2020, com os dois filhos, Yan, hoje com 11 anos, e Zizi, com seis.
Este último sofre de talassemia maior, uma doença hematológica, para a qual não conseguiu receber tratamento em Moçambique. “Tivemos a oportunidade de vir para cá. Foi uma sorte muito grande”, conta Arina.
Embora seja muçulmana, Arina admite que a experiência do Natal ajuda a apaziguar a dor que está a viver.
“Apesar de estarmos no meio de doença, doença crónica, é um momento em que esquecemos os problemas e acabamos por viver bons momentos”, relata.
“Os meninos recebem presentes, os pais também recebem. Gostamos sempre dos miminhos que recebemos”, acrescenta.
Outro aspeto importante é a confraternização entre pessoas com diferentes religiões, línguas e culturas.
Na casa, estão pessoas oriundas de países tão distantes como a Ucrânia, Angola ou Cabo Verde. “Cada um acaba por dar um pedaço de si, sem perder a graça do Natal em Portugal. Sempre com muito bacalhau”, diz Arina.
Para Ana Monteiro, esta partilha é fundamental porque a doença “não é só daquela criança ou daquele jovem” a quem foi diagnosticado o cancro. “A doença é de toda a família. Chega sem bater à porta e sem pedir licença para entrar. As famílias são apanhadas completamente desprevenidas e toda a vida muda de repente."
"As crianças quando estão doentes continuam a ser crianças"
“Tira-nos o chão por completo”, admite Maria do Carmo Meireles, de Leça do Balio. Em 2008, a filha do meio foi diagnosticada com um tumor cerebral.
“Era uma criança cheia de vida, normal, com os seus e altos e baixos na escola”, recorda. Teve dois anos em tratamentos no IPO em que “passou pelo pack completo” - cirurgia, radioterapia, quimioterapia e fisioterapia.
Foi nessa altura que Maria do Carmo, que mais tarde se tornou voluntária da associação, teve o primeiro contacto com a Acreditar, quando uma equipa de voluntários apareceu durante os tratamentos para conversar e animar a filha, algo que no início não aceitou bem, pois estando a filha doente, achou que ela não poderia brincar e divertir-se.
“É uma ideia errada que nós fazemos, que as crianças quando estão doentes passam a estar doentes e deixam de ser crianças. Não, continuam a ser crianças. E quando estão bem o que querem fazer é aquilo que uma criança faz: é brincar”.
O tratamento da filha foi bem-sucedido e Maria Alberta fez o percurso académico normal de qualquer jovem da sua idade. Hoje é educadora de infância.
Uma história de recuperação que é também de esperança para todas as crianças e jovens da casa.
Para Benício, a criança brasileira que luta contra uma leucemia, há uma luz ao fundo do túnel que parece brilhar um pouco mais intensamente. Nas últimas semanas, foi encontrado um dador, em Portugal, que pode ser decisivo para tratar a doença.
“Para nossa surpresa ganhámos esse presente”, diz a mãe. A melhor oferta que poderiam receber pelo Natal.