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Não se ajudam as famílias em risco retirando-lhes os filhos, mas sim ajudando-as a refazer a vida. É nesta base que a actua o “Projecto Família”, do MDV - Movimento Defesa da Vida, que desde que foi criado já evitou que milhares de crianças fossem institucionalizadas. O trabalho foi reconhecido internacionalmente com o Local Answers Award, entregue nas Conferências do Estoril.
A directora técnica do MDV, Carmelita Dinis, falou à Renascença sobre a metodologia que seguem no “Projecto Família” e o esforço que fazem para se financiarem, porque a ajuda que recebem da Segurança Social não chega. O projecto está actualmente em Lisboa, Almada/Seixal e Gondomar e em 10 anos foram acompanhadas 1.952 famílias e 3.302 crianças e jovens.
Como é que funciona o Projecto Família?
É um projecto de preservação familiar, trabalha sobretudo com famílias com crianças e jovens em risco na perspectiva de, trabalhando com a família, tentar não remover as crianças, mas remover os riscos que tornam difícil a permanência da criança em casa. Por isso, sempre numa perspectiva de manter a unidade familiar, tendo em atenção, e no centro, aquilo que é o bem-estar e o desenvolvimento da criança.
Como é que identificam as famílias em risco?
Temos neste momento em Lisboa, Almada/Seixal e Gondomar Centros de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP). Com isto acabamos por trabalhar em estreita ligação com o sistema de prevenção e protecção, por isso neste momento a maior parte das famílias, se não a totalidade, são famílias que nos são sinalizadas e referenciadas pelas comissões de protecção de crianças e jovens, ou pelas equipas da Segurança Social que dão apoio ao Tribunal, ou mesmo directamente pelo tribunal.
Ou seja, são situações de crise acentuada, quer seja de crise económica, quer a nível de relação, que levam a que haja aqui risco para estas crianças e uma possível retirada. Por isso, o “Projecto Família” pretende ser muitas vezes uma última oportunidade de trabalhar com as famílias, de forma que as crianças possam permanecer.
E como é que actuam? Têm técnicos especializados?
Temos uma equipa de técnicos nos vários locais. São pessoas que são da área das ciências sociais e humanas, psicólogos, serviço social, da área da reinserção social, e até da economia, que fazem uma formação específica de 40 horas dentro da metodologia do projecto, porque é uma metodologia que tem algumas características inovadoras. A família é referenciada, há uma reunião de apresentação…
A família que vai ser ajudada tem de autorizar esta intervenção?
Sim, porque todo o trabalho do técnico é feito em casa, não há trabalho de gabinete. Pode haver depois referenciação para serviços de psicologia, terapia familiar, caso seja necessário, mas este trabalho de proximidade e colaboração com a família é feito em casa. Este técnico está disponível para a família 24 horas por dia, todo os dias, ou seja, trabalha com a família naquele que é o horário da família, porque muitas vezes as situações de crise e de tensão familiar dão-se ao final do dia e ao fim-de-semana. Por isso é muito importante ter lá alguém no horário em que a família necessita de ajuda, e esta pessoa está disponível. Há uma fase inicial de intervenção intensiva de seis semanas, e depois há um acompanhamento até um ano. Nesta fase intensiva cada técnico só tem duas famílias.
Há uma dedicação quase exclusiva?
Sim, e uma relação de proximidade. Não deixa de ser um técnico, mas está lá para ajudar também a ser um catalisador da mudança, vai tentar trabalhar com aquela família, fomentando a que sejam eles a perceber que podem ter melhores condições de vida e que têm essa capacidade de conseguir organizar-se de forma diferente para que os filhos permaneçam com eles.
E também ajudam as pessoas a reorganizar a vida, permitindo-lhes que façam alguma formação, na procura de emprego?
Sim, até porque onde trabalhamos, e estamos a falar de cidades grandes, continuamos a encontrar pessoas que estão completamente à margem do sistema social, completamente desinseridas e que precisam de ajuda em termos do sistema de saúde mental. Por isso é muito importante ajudá-las a, não só procurar os serviços, como às vezes ir acompanhá-las aos serviços.
A perspectiva é que no prazo de um ano as famílias estejam reestruturadas?
Sim. Depois daquela primeira fase de intervenção intensiva, de seis semanas, há aquilo a que nós chamamos os “follow up” de um, três, seis meses e 12 meses, por isso continuamos a acompanhar. Ao fim de um ano é avaliado se aquela criança permanece naquela família, e isso é tido como um factor de sucesso também deste projecto.
Neste momento quantos técnicos têm a trabalhar?
Em Lisboa temos à volta de cinco técnicos mais o supervisor, isto no trabalho directo com a família, porque depois também temos nos vários núcleos algum trabalho de complementaridade. Por exemplo, em Lisboa, temos também um serviço de psicologia de consultas, que apesar de estar aberto ao público, dá sobretudo prioridade às famílias do “Projecto Família”, temos um serviço de apoio à procura de emprego. Ou seja, em Lisboa temos uma equipa com mais pessoas, no resto dos sítios temos sempre três a quatro assistentes familiares, um supervisor e um coordenador.
E em termos de famílias?
Normalmente em Lisboa acompanhamos cento e tal famílias, no resto dos sítios são menos. No ano 2015 apoiámos cerca de 267 famílias e 505 crianças. Ao todo, desde o início do projecto, já acompanhámos 1.952 famílias e 3.302 crianças e jovens. Não trabalhamos só com as famílias na perspectiva de evitar a institucionalização, temos também acompanhamento nos casos de reunificação. Ou seja, situações de crianças que estão em centros de acolhimento e que regressam a casa, nós também intervimos para ajudar os pais nesse regresso a casa.
Desde 2015 também temos o Ponto de Encontro Familiar, trabalhamos também nas situações de divórcio e de conflito grave ao nível das responsabilidades parentais, e que muitas vezes tenta facilitar os contactos dos pais no pós-divorcio, tentando centrar muito as questões no interesse dos filhos, e na forma como se pode ser pai e mãe depois de deixar de ser casal.
Muito do trabalho que fazem passa, portanto, por esta questão da mediação e orientação familiar, mas o MDV também promove seminários, formação, até ao nível da educação sexual…
Sim, continuamos a manter o que esteve na origem do MDV, e que foi esta tónica na educação sexual e planeamento familiar. Tivemos um protocolo com o Ministério da Educação até 2005, que deixámos de ter, mas continuamos a fazer o atendimento na área do planeamento familiar, colaboramos com alguns locais onde estão jovens mães ou grávidas adolescentes. Às vezes fazemos só as sessões, outras vezes fazemos um acompanhamento mais profundo, dando conhecimento de todos os métodos de planeamento familiar, mas com enfoque particular na questão do planeamento familiar natural.
O MDV não está ligado à Igreja, mas tem esta preocupação de divulgar e dar a conhecer estes métodos que a Igreja defende, e que a nível médico nem sempre são apresentados como opção…
O MDV é uma associação aconfessional e apolítica, mas tem na sua base os valores do humanismo cristão, e por isso faz sentido esta nossa actividade. Relativamente a estes métodos, temos tido muitas vezes pedidos de enfermeiros, e jovens enfermeiros, que não têm esta área na sua formação e que têm muito interesse.
Em termos de financiamento, as ajudas que recebem são suficientes?
Como IPSS temos um protocolo com a Segurança Social, mas não cobre o financiamento da totalidade das nossas actividades, por isso temos necessidade de continuar a ter aqui um trabalho de angariação de fundos e de donativos. Fazemos campanhas com regularidade e tentamos sensibilizar também empresas e particulares para a continuidade desse apoio financeiro de que precisamos.
Temos também alguns serviços que estão abertos à comunidade. Por exemplo, o Departamento de Psicologia também dá consultas e está aberto ao público, que é uma forma também de nos sustentarmos e conseguirmos depois dar este tipo de resposta às outras famílias. Estamos a tentar estender no próximo ano a outro tipo de serviços, como a terapia da fala, porque é das coisas que vamos sentindo que é muito importante e que às vezes não existe na comunidade, os encontros com pais, que são sessões mais de sensibilização para a parentalidade e para a educação dos filhos, é dirigido às famílias do “Projecto Família”, mas está aberto ao público em geral.
Por exemplo a área da psicologia é uma área que até ao ano 2015 estava contemplada no acordo que tínhamos com a Segurança Social e que deixou de ser financiada, por isso neste momento houve a necessidade de abrirmos ao público de forma a conseguirmos financiar e dar o apoio às famílias que damos.
Também contam com a ajuda de voluntariado?
Todas as pessoas que têm um trabalho directo com a família – sobretudo no Projecto Família, no Ponto de Encontro Familiar e na mediação – tudo o que é trabalho mais técnico é trabalho pago. Mas temos também um grupo de voluntários, em articulação até com algumas empresas, que nos apoia nas actividades que vamos desenvolvendo com as famílias, por exemplo no dia da criança e no dia da família. Temos também uma Lojinha Social, que também é organizada por voluntários e temos algumas actividades de apoio ao estudo a crianças do Projecto Família. Também organizamos colónias de férias, e aí sim, contamos muito com os voluntários.