O presidente da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans) disse à Lusa que a escassez de camionistas, que está a causar problemas de abastecimento de combustível no Reino Unido, é uma questão identificada “há alguns anos” em Portugal.
“É uma questão que está identificada já há alguns anos […]. Os patrões já naquele período de 2018, 2019, quando negociámos a nova convenção coletiva, uma das coisas que a associação patronal muitas vezes referia era a dificuldade de recrutar trabalhadores”, apontou José Manuel Oliveira.
Para o dirigente sindical, um dos problemas “era o tipo de salários que eram praticados em Portugal”.
José Manuel Oliveira apontou ainda os elevados custos de formação de camionistas, bem como o preço da carta de condução, que pode chegar aos 6.000 euros.
Quanto à situação no Reino Unido, o presidente da Fectrans diz não ter noção se há muitos camionistas portugueses a trabalhar naquele país e que possam agora vir a ter problemas, mas adiantou que a federação de sindicatos está “a acompanhar” a questão.
O Governo britânico colocou, na segunda-feira, dezenas de militares de prontidão para prestar auxílio, no sentido de resolver os problemas de abastecimento de combustível provocados pela falta de camionistas, uma situação que gerou pânico na aquisição de gasolina em todo o país.
A escassez de combustível no Reino Unido deve-se ao abastecimento desencadeado pelo “pânico”, afirmou o presidente da Associação de Postos de Gasolina (PRA) britânica, tendo o Governo recorrido ao Exército para ajudar.
A PRA tinha alertado no domingo para que cerca de dois terços dos quase 5.500 pontos de venda independentes filiados estavam sem combustível e que os restantes estavam "parcialmente secos ou prestes a esgotar".
A corrida ao abastecimento acelerou nos últimos dias, depois de várias petrolíferas terem anunciado o encerramento de alguns postos devido à dificuldade em abastecê-los, problema que atribuíram à falta de camionistas para conduzir os tanques desde as refinarias.
Numa declaração conjunta, empresas do setor, como a Shell, ExxonMobil e Greenergy, vincaram que as dificuldades no abastecimento estão a ser causadas por "picos temporários na procura do cliente – não uma escassez nacional de combustível".
Nos últimos dias, o Governo tem apelado à calma e à consciência dos automobilistas para que comprem apenas a gasolina ou gasóleo de que precisem, mas no fim de semana foi forçado a tomar medidas, anunciando 5.000 vistos para camionistas estrangeiros.
No pacote de várias medidas incluem-se também a suspensão das regras da concorrência, para que as petrolíferas possam partilhar recursos no abastecimento de postos com maior necessidade, o envio de cartas a urgir camionistas para voltarem à profissão e o envolvimento de militares para acelerar a realização de exames de condução de veículos pesados.
Escassez de combustíveis no Reino Unido é consequência da falta mundial de camionistas
A escassez de combustíveis em bombas de gasolina no Reino Unido registada nos últimos dias é uma consequência da falta de camionistas, uma situação crónica que resulta de uma combinação de fatores e não apenas do 'Brexit’.
O alarme foi dado ainda no início de junho pela Associação de Transporte Rodoviário britânica [Road Haulage Association, RHA], quando urgiu o Governo a atuar perante o “nível de crise” que começava a observar-se.
"A recuperação da Covid-19 está a aumentar a procura nas cadeias de abastecimento, o impacto já está a ser sentido (…). A recuperação está a agravar a escassez já existente”, alertava.
Em agosto, começou a ser noticiada a falta de produtos, como batidos de leite na cadeia de ‘fast food' McDonald’s, enquanto a Nando’s fechou alguns dos seus restaurantes por falta da principal matéria prima da rede de restaurantes especializada em frango.
Nos supermercados britânicos, há várias semanas que é comum encontrar prateleiras vazias devido aos problemas de logística de transportes.
Antes da pandemia, a RHA estimava faltarem cerca de 60.000 condutores de pesados no Reino Unido, mas atualmente calcula que o número se aproxime dos 100.000.
O Reino Unido não é um caso único, e a preocupação é partilhada por outras organizações internacionais, como a International Road Transport Union (IRU), associação mundial do setor.
A Transport Intelligence publicou recentemente um estudo que identifica a Polónia como o país com mais vagas por preencher neste setor, quase 124.000, enquanto na Alemanha se aproximam de 50.000 e em França de 43.000.
"O Reino Unido está numa posição particularmente difícil, pois não está apenas a sofrer com o ‘Brexit’, mas também viu muitos trabalhadores europeus deixarem o país durante a pandemia, à medida que aumentavam os receios com os confinamentos”, refere o estudo.
Muitos poderão não regressar ao Reino Unido, e aqueles que não têm estatuto de residente precisam de um visto de trabalho porque o ‘Brexit' tornou o recrutamento na União Europeia mais difícil.
A escassez de camionistas no país também é um resultado da interrupção de dezenas de milhares de exames de condução durante a pandemia, da aposentação de muitos profissionais, cuja idade média é 55 anos, ou da mudança de regras nos contratos dos motoristas para evitar a evasão fiscal.
Há ainda as condições de trabalho, como turnos longos e noturnos que afetam a vida social e familiar, o que fez alguns condutores profissionais mudarem de carreira ou para as entregas ao domicílio.
“A Covid pôs muitos motoristas a pensarem sobre a sua qualidade de vida”, disse Richard Burnett, presidente da RHA, ao jornal The Guardian.
Nos últimos dias, o Governo britânico anunciou uma série de medidas, incluindo a mobilização de 150 condutores militares para ajudarem no transporte de combustíveis e o prolongamento da validade de licenças para conduzir camiões-tanques.
Outras decisões incluem o aumento da capacidade para realizar testes, a simplificação dos exames, a criação de “campos de treinos” para novos camionistas e o envio de um milhão de cartas para encorajar antigos condutores de pesados a voltarem à profissão.
A mais destacada foi a emissão de 5.000 vistos temporários para estrangeiros, uma inversão de marcha na posição do Governo, que argumenta que mão-de-obra barata rebaixa o mercado de trabalho britânico.
Mas organizações consideram que a medida “é demasiado insuficiente e demasiado tardia”, e a Câmara de Comércio Britânica comparou-a a “mandar um dedal de água para [tentar apagar uma] fogueira".
A Associação do Transporte Rodoviário concordou que "mal arranha a superfície", e que oferecer vistos apenas até a véspera de Natal "não será suficiente para ser atrativo para empresas ou para os próprios motoristas".