A "lei trans" espanhola, que permite mudar de género no registo civil sem relatórios médicos, foi, esta quinta-feira, definitivamente aprovada pelo Parlamento de Espanha.
Será necessária autorização de um juiz para os casos entre os 12 e os 14 anos e dos pais ou tutores legais entre os 14 e os 16 anos, mas para maiores de 16 anos bastará a própria vontade de quem quiser fazer a alteração de género.
Em todos os casos deixam de ser necessários pareceres médicos e provas de qualquer tratamento hormonal para retirar a carga de patologia à mudança de género.
"As pessoas trans [transexuais] são quem são", sem precisarem de "pedir autorização ou desculpa a ninguém", e cabe ao Estado reconhecer-lhes os direitos, afirmou a ministra da Igualdade, Irene Montero, no encerramento do debate parlamentar.
A nova legislação demorou mais de um ano a ser aprovada e pelo caminho dividiu o Partido Socialista (PSOE), que governa Espanha em coligação com a plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos, de que faz parte Irene Montero.
A lei contou com a oposição de associações feministas que, como a ala crítica do PSOE, consideram que pode prejudicar os avanços alcançados pelas mulheres na luta pela igualdade de direitos.
Para estes movimentos, ser mulher não é uma identidade subjetiva e o feminismo é a luta contra a discriminação de uma identidade objetiva, baseada no género biológico.
Entre as críticas, que hoje se voltaram a ouvir pela voz de deputados do Partido Popular (PP, direita) e Cidadãos (liberais), estão também alertas de falta de "segurança jurídica" da nova legislação, como aconteceu noutros países, como a Escócia, que agora recuam ou travam leis similares.
Em causa está, por exemplo, o caso hoje referido no parlamento espanhol de um homem condenado por duas violações de mulheres, na Escócia, que mudou de género e assim teve direito de cumprir a pena em alas femininas da prisão.
Mas há também, dizem estas vozes críticas, a possibilidade que se abre para homens participarem nas competições desportivas ao lado de mulheres ou de se apresentarem em concursos que exigem provas físicas para seleção e têm padrões diferentes estabelecidos para candidatos masculinos e femininos.
Os alertas passam ainda por questões na aplicação das leis da violência de género ou das quotas nas leis eleitorais.
Lei sem "segurança jurídica"
A ministra Irene Montero voltou esta quinta-feira a considerar que "as mulheres trans são mulheres e ponto" e falou em "transfobia" durante o processo de debate.
Os deputados dos vários grupos parlamentares que defenderam a lei no Parlamento insistiram em que está em causa um reconhecimento e alargamento de direitos em Espanha e a não discriminação de um grupo de pessoas estigmatizadas através de uma lei que não divide, nem é feita "contra ninguém".
O PP e o Cidadãos sublinharam serem a favor de uma lei que reconheça e proteja os direitos dos transexuais, mas consideraram que não houve no Parlamento espanhol um processo legislativo suficientemente tranquilo e duradouro para permitir todos os debates e audições necessários e, por isso, a lei não tem "segurança jurídica".
O grupo do PP chegou mesmo a apelar às bancadas dos partidos no Governo para retirarem a iniciativa e evitarem a votação final, para poder ser feita "uma boa lei".
Também a extrema-direita do partido VOX se opôs à nova lei, por considerar estarem em causa "delírios" e um "fomento da homossexualidade e da transexualidade" num momento em que há "um aumento alarmante da homossexualidade e da transexualidade" em Espanha, defendendo que o Estado devia promover a "reconciliação das pessoas com o seu corpo" e não "a mutilação irreversível" através de tratamentos hormonais e cirurgias.
A ministra Irene Montero respondeu que a lei "desvincula precisamente" o reconhecimento da identidade de género de tratamentos médicos e condenou "as mentiras e os boatos" do VOX, que fomentam "o discurso de ódio" contra grupos de pessoas e consideram anormais ou doentes os homossexuais e os transexuais.
A lei agora aprovada proíbe cirurgias de modificação genital até aos 12 anos em crianças que nasçam com características físicas dos dois géneros (crianças intersexuais ou hermafroditas).
Por outro lado, consagra o direito de lésbicas, bissexuais e transgénero com capacidade reprodutiva acederem às técnicas de reprodução medicamente assistida e permite a filiação dos filhos de mães lésbicas e bissexuais sem necessidade de casamento.