Sem bailaricos, arraiais, martelos, alho-porro e fogo-de-artifício, as ruas da cidade do Porto despiram-se de gente numa noite de São João em que a festa foi aconselhada a fazer-se em casa devido à pandemia de covid-19.
A PSP foi chamada apenas para ocorrências relacionadas com o ruído, disse à Renascença o subcomissário Rogério Silva.
O “Convite ao Porto”, nesta que é considerada a noite mais longa do ano da cidade Invicta, não foi para ir “p’ra rua” e levar um balão, mas “p’ra ficar em casa”.
Os arraiais e bailaricos, que antes da pandemia eram sinónimo de encontro entre amigos, vizinhos e até desconhecidos, foram cancelados e a festa desaconselhada a fazer-se na rua.
Pelas ruelas da cidade, poucos eram os grelhadores que nas brasas aqueciam os habituais protagonistas da festa: as sardinhas e os pimentos. No Passeio das Fontainhas, local de encontro de gentes, nem festa, nem martelo se ouvia.
“É a primeira vez que vejo esta zona assim”, confessou Esmeraldina Ferreira, de 73 anos, moradora na zona das Fontainhas, enquanto aguardava pela chegada dos filhos para “assarem as sardinhas”.
Também António Costa, de 45 anos, proprietário do café La Fontaine, “não tem memória de dia igual”. A poucos minutos das 19:00, hora de encerrar o estabelecimento, ia arrumando o espaço para “cumprir as regras” e ir jantar a casa.
Se pelo Passeio das Fontainhas poucos eram os que passavam, nas casas localizadas na escarpa, os vizinhos iam-se juntando debaixo de fitas festivas em forma de manjerico. No espaço comum, que une as pequenas habitações, as brasas começavam a acender-se.
Do Passeio das Fontainhas aos Guindais, manjericos iam aparecendo, entre janelas e varandas, como se preces se fizessem ao santo padroeiro para que, no próximo ano, a festa possa ser celebrada a dobrar.
“Roubaram-nos o São João, mas para o ano festejamos, desde que tenhamos saúde”, ouvia-se ao passar entre as pequenas casas, onde ainda resistem moradores nos Guindais.
A cada socalco das escadarias, um grelhador, uma pequena mesa e uma ou duas garrafas de vinho. Ao redor juntava-se a família. “As sardinhas estavam uma maravilha. Se viesses mais cedo tinha-te oferecido uma, agora só broa”, ouvia-se.
Ao final da tarde, nas arcadas da Ribeira, o fumo dos grelhadores misturava-se com a neblina e, naquela que costuma ser a zona mais chamativa na noite de São João, poucos foram os que se aventuraram a passar por ela.
José Maria Dias, sócio-gerente dos restaurantes Terra Nova e Taberna Rio, afirmou à Lusa ter “faturado mais ao almoço do que ao jantar”, descrevendo esta como uma noite “atípica”.
“Nem éramos para abrir nesta noite, mas começámos a ter algumas reservas”, admitiu, acrescentando que pelo seu restaurante não passaram mais de duas dezenas de pessoas.
Já de noite, nos céus do grande Porto iam surgindo, também do lado de Vila Nova de Gaia, pequenos fogos-de-artifício. A música na zona ribeirinha ia alegrando os moradores e os poucos que iam passando.
Ainda que este ano os conselhos para que o arraial fosse apenas “com meia dúzia [de pessoas] no quintal”, às 23:00, hora agendada para os restaurantes da cidade fecharem, os foliões começavam a abandonar a zona ribeirinha, sob o olhar atento de agentes da PSP e Polícia Municipal.
Sem a ponte Luís I iluminada pelo fogo-de-artifício, sem barcos alinhados no rio Douro para assistir ao espetáculo, apenas os balões de papel que se avistavam à distância faziam recordar que é noite de S. João.
Sem o olhar curioso dos turistas, a noitada de folia fez-se despida de gente e como trauteava José Mário Branco, com o “Porto inteiro a bater num coração”.
E a festa, sem sardinhas nas Fontainhas, sem concertos nos Aliados e sem gentes na Ribeira, dir-se-ia que foi “pequenina”, tal e qual como se pedia.