O presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, critica a forma como o Ministério da Educação geriu a polémica dos contratos de associação.
Em entrevista à Renascença, o autarca sugere o adiamento de uma decisão sobre a escolha dos presidentes da Área Metropolitana e das CCDR e defende que o PS aposte na recandidatura de Rui Moreira à Câmara do Porto.
Quando chegou à Câmara de Gaia, surpreendeu-o a situação financeira da autarquia. Já recuperou a "autonomia"?
A situação financeira era pesada. Era uma situação grave, podia estar em causa o próprio pagamento de salários, estávamos no limite da liquidez, mas verdadeiramente aquilo que mais me surpreendeu foi o conjunto de resultantes de um modelo de gestão absolutamente despesista e megalómano, que acaba por entroncar nas contas.
Este mandato, é muito importante para essa recuperação. Tínhamos um passivo acumulado muito significativo, muito superior a 300 milhões de euros, só na câmara, ao qual se somava uma situação penosa nas Águas de Gaia e na Gaiurb. Neste momento, estamos a fazer esse combate mas é um combate que tem de ser feito com inteligência
Quando fala nesse "modelo de gestão despesista e megalómano", refere-se às empresas municipais?
Falo particularmente da Gaianima, uma empresa municipal que entretanto colapsou e que é muito a imagem de um país que, nos anos 90 e nos anos 2000, se transformou num país se me permite a expressão do "regabofe", onde tudo era possível e onde tudo era ultrapassável.
O que é que pode dizer sobre o processo Gaianima, que levou, inclusivamente, a buscas da PJ na Câmara?
Sabe-se que o processo está em segredo de justiça. Neste momento, temos a noção de que as investigações estarão fechadas. A única coisa que me interessa é que se reponham os recursos públicos e, por outro lado, que se faça justiça, porque o pior que pode acontecer a um país que se quer desenvolvido é resignar-se ao clima de impunidade.
As prioridades de Gaia continuam a ser as do sector social?
Sim, porque eu acredito que com o papel das políticas sociais, em geral, e as da educação, em particular, nós termos provavelmente a única hipótese de termos algum elevador social. Ou conseguimos, através das políticas sociais e da educação, recalibrar a sociedade, ajudar um bocadinho os mais desfavorecidos e dar um impulso a quem mais precisa ou, então, teremos uma sociedade dualista, típica de terceiro mundo.
Em matéria de educação, os últimos tempos têm sido marcados, a nível nacional, pela polémica dos contratos de associação. Como vê esse processo?
Sou favorável a um modelo em que o público e o privado se constituam como uma rede. Acho que o diagnóstico do Governo foi relativamente bem feito, mas foi, talvez, feito de uma forma muito veloz, muito ágil e transformou este assunto num tema que dividiu a sociedade portuguesa.
Nós, neste momento, precisamos muito de consensos. Um consenso não tem que pôr todos a pensar e dizer o mesmo, mas importa que cada um consiga mostrar os seus pontos de vista, com algum tempo.
Não concordo com o tempo tão curto em que isto foi feito, porque criou hostilidades. Julgo que o país está farto de estar dividido, ora por razões de rendimento mínimo ora por razões de políticas sociais, em geral, ora pela educação, ora pelas obras, ora pelo Norte-Sul. O país está farto desta divisão.
Mas parece que este assunto vai continuar na agenda. O Ministério da Educação deu-o como encerrado e as manifestações continuam e há ameaças de recurso a tribunal por parte de muitos colégios...
Julgo que o assunto vai estabilizar a partir do momento em que o próprio Governo perceba que vai ter de assumir aqui uma posição de mais diálogo, de mais forte diagnóstico e de estudo caso a caso. Se assumirmos tudo como mau só porque é privado ou tudo como bom só porque é público, estamos a desfazer um bocadinho do nosso trajecto de "Estado misto", que fomos construindo desde o 25 de Abril. E é preciso igual coragem noutras áreas, na área da saúde, por exemplo, onde se percebe que as unidades privadas são muito tributárias de uma relação muito intensa com o Estado.
Como é que vai ser possível, caso vingue a proposta do Governo, um entendimento mínimo dos autarcas quanto ao processo de descentralização e de eleição do presidentes de comissão de coordenação, quando verificamos, por exemplo, as acusações da falta de solidariedade por causa dos fundos estruturais?
Vai ser muito difícil e por isso é que eu tenho a maior das reservas sobre esta proposta.
Acompanha o Presidente Marcelo nesta questão?
Acompanho. Julgo que o PS fez um grande trabalho na abertura deste momento de discussão e de diálogo, com dois assuntos: a eleição por sufrágio universal do presidente da Área Metropolitana e a eleição, não por sufrágio universal, mas pelos próprios autarcas do presidente da CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional]. Eu tenho a maior das dúvidas que este seja um bom modelo. Acho que é preciso reflectir e eu estaria mais inclinado paraeixar isto por mais um mandato, para se fazer um estudo decente e perceber bem o que deve ser feito.
Rui Moreira é um bom candidato para o PS apoiar no Porto?
É, é um grande candidato, é uma grande figura, é uma grande personalidade e nós precisamos muito de pessoas como o Rui Moreira. Não precisamos de invejas mesquinhas e de vaidades mesquinhas. Precisamos de gente como o Rui Moreira, que assume, como tinha de assumir, a liderança de alguns destes processos.
Mas Rui Moreira não esteve sozinho ou praticamente sozinho? Na questão da TAP, por exemplo?...
Olhe, se esteve sozinho foi porque os órgãos de comunicação social lhe deram os microfones todos e não me deram nenhum a mim, porque eu estive ao lado do Rui Moreira. No que diz respeito à TAP, fizemos o que tínhamos de fazer.
Mas os voos foram suspensos. Há promessa de rever a situação? Acredita que isso é possível e voltem ao Porto, por exemplo, voos directos para Bruxelas, Roma, Milão ou Barcelona?
Tenho dificuldade em acreditar, porque, na altura, o Rui Moreira ficou muito sozinho nesta luta. Eu tentei participar, houve mais alguns autarcas que tentaram participar, mas havia já uma gestão muito próxima do privado a acontecer.
Então, não se entende muito bem a reversão do negócio...
Este modelo de reversão foi o modelo menos mau. Pelo menos, garantiu 50% ao Estado.
Mas o Estado não decide sobre aquilo que, por exemplo, o senhor considera ser estratégico para a região?
Pois não. Por isso digo que aquilo que era importante ter feito era, para além da tomada de 50%, ter tido ali uma "golden [share]", uma posição que permitisse uma capacidade de decisão na lógica da coesão.
Quando vai anunciar a sua recandidatura à Câmara de Gaia?
Eu não faço disso tabu, porque toda a gente que me conhece e que me acompanha sabe que estou a fazer este trabalho de uma forma muito empenhada e esse empenho levará que seja natural a recandidatura. Não depende só de mim, depende também da avaliação que eu venha a fazer do trajecto feito, depende do que sentir da sociedade, das instituições. Se fosse este o momento, olharia com muito entusiasmo para uma recandidatura, porque acho, sinceramente, que Vila Nova de Gaia está num caminho certo.