Está a suceder num ritmo assinalável na minha família: uma pessoa a morrer após evidente caso de distanásia da parte dos médicos. Infelizmente, é claro que a pessoa vai morrer, mas faz-se mais uma operação, mais um corte, mais isto e aquilo que, na prática, tem um efeito terrível: prolonga-se a hora da morte; o que devia acontecer num dia ou dias prolonga-se por semanas ou meses sem necessidade. As pessoas passam meses e não dias a olhar a morte de frente. O luto torna-se ainda mais difícil.
Eu percebo de onde vem este encarniçamento médico: as pessoas deixaram de aceitar com naturalidade a morte natural. Nunca esquecerei o desabafo de um médico: entra no gabinete para me atender com lágrimas nos olhos, porque acabara de estar com uma família que não percebia porque é que o pai acabara de morrer de gripe aos noventa anos!
Ora, a gripe leva por inverno milhares e milhares de pessoas; é uma morte normal e natural naquela idade. Parte da obsessão colectiva com a covid também está relacionada com isto. Qual é o perfil do óbito covid neste momento? Pessoas acima dos oitenta anos e com diversas doenças associadas. Ou seja, pessoas que infelizmente encontrariam a sua morte natural muito em breve, com ou sem covid. Se morressem de gripe, seriam invisíveis (e podem morrer cerca de cinco mil portugueses de gripe por inverno). Como morrem com covid, estão no centro da narrativa.
Visto que a sociedade, a começar nos próprios médicos, não aceita a naturalidade da morte, criou-se um clima médico que exige a distanásia, isto é, criou-se um ethos que exige que se faça tudo o que é razoável e irrazoável para prolongar a vida de uma pessoa.
Se a eutanásia é uma intromissão ilegítima do homem na hora da morte através da morte, a distanásia é uma intromissão ilegítima do homem na hora da morte através da vida, que é aumentada artificialmente sem qualquer benefício. A pessoa fica num limbo entre a vida e a morte. A distanásia é feita para dar vida, mas na verdade só dá dor e sofrimento ao doente e aos familiares. Pior ainda: as vítimas da distanásia médica (estas pessoas que passam meses a ver um pai a sofrer após intervenções médicas desnecessárias e que prolongam artificialmente a vida de quem já devia estar morto) passam a ser enormes adeptos da eutanásia.
É este o efeito final da prática da distanásia: os familiares que assistem à morte em câmara lenta do seu pai ou mãe começam a pensar que a eutanásia é uma solução válida.