Aos 17 anos, olham-nos de cima para baixo, dos seus quase dois metros, com o sarcasmo habitual: “Lamento dizer-vos, mas não fizeram nada. A vossa geração foi um lixo”. Ouço-o, diariamente, lá por casa. Mesmo educadamente, mesmo sem andar a partir vidros, isto é o mínimo que têm a declarar-nos.
Ontem, o Papa pediu-lhes que fizessem muito pior. Pediu-lhes que exercessem o direito à indignação e à contestação permanente. Aconselhou-os a exercerem-no já. Não os tomou por anjinhos e pediu-lhes que não se deixassem tomar por “anjolas”, na retórica consumista e vazia dos que os preferem manietados, sob controle, sem causas - desesperados, mas quietos, enterrados no sofá.
Voltem para casa e vão visitar os vossos avós! Até aqui, tudo bem. O pior foi o resto; perguntem-nos (aos mais velhos!) o que fizemos de facto para não vos deixarmos presos na armadilha desses quatro “sem”: (sem instrução, sem trabalho, sem comunidade e sem família) num vazio sem raízes. E não aceitem viver num, “entretanto”. Vocês não são o futuro. São o agora de Deus!
O Papa Francisco falava para uma audiência que já nasceu na crise, que cresceu na crise e a quem prometem, há demasiado tempo, que um dia, sempre adiado, sairão da crise. Uma geração à espera da sua hora. Num individualismo egoísta que os quer indiferentes aos outros.
O Papa disse-lhes que não fiquem à espera do seu dia, porque ele já chegou. Não só legitimou a sua frustração, como apelou à sua indignação. Não lhes disse para partirem vidros, mas aconselhou-os literalmente a “partir a loiça” (a expressão é minha) e a fazer diferente. Já! Porque é preciso encontrar um sentido para a vida e porque não podem deixar que as respetivas vidas continuem a passar sem sentido.
A multidão multicolor, em festa, mostrou com os seus aplausos a cada frase forte que não se perdeu na dança e nas canções e que estava a beber cada palavra da mensagem e a aprender a lição.
Mais, mostrou que estava pronta a pô-la em prática. Havia de tudo: jovens indígenas marginalizados e europeus da classe média alta. Excluídos e ganhadores da sociedade de consumo, numa estranha unidade em torno de uma consigna comum: é preciso mudar este mundo e este sistema que mata. Que os mata. Que nos mata. Que mata de mil formas, subtis e não apenas com as balas que simbolicamente formavam a custódia feita de cápsulas de balas perdidas apanhadas nas muitas guerras da América Central e Latina.
Cristo vivo, na hóstia branca, estava rodeado desses invólucros de morte, de um dourado ilusório. Perante o qual, de joelhos e em súbito silêncio, aquelas centenas de milhares de jovens se prostraram em longos minutos de oração. Silêncio único, que não encontramos em mais nenhuma concentração juvenil. O mesmo que há seis anos em Madrid fez que só se ouvisse a fúria do vento que ameaçava levantar o palco onde Bento XVI resistia com as vestes arrebatadas, em oração por entre a sucessão de raios e coriscos que perpassavam o recinto numa fúria inesperada, ameaçando fazer desabar sobre centenas de milhares de peregrinos os ecrãs gigantes. Ensopados, ninguém arredou pé.
Na vigília do Panamá, o Papa fez os jovens declarar em uníssono, em voz alta, várias vezes três, ou quatro, afirmações que combatem o vírus do perfeccionismo militante da sociedade do século XXI. Pediu-lhes que respondessem que, mesmo o que não é perfeito, puro e destilado é digno do amor. Os frágeis, os deficientes, os doentes, os presos.
E foi direto ao ponto: porventura alguém pelo facto de ser estrangeiro não é digno do Amor? SIM, MERECEM O AMOR. Mais alto, pedia, SIIIIIIM! E perguntava de novo o Papa (não houvesse, por ali, alguém convencido que tinha sido tocado pelo espírito de uma irritante impecabilidade…). E os que erram? SIM, MERECEM SER AMADOS.
Foi assim várias vezes como se o Papa quisesse dizer uma, duas, três vezes que não admite o que chamou o “cansaço da esperança!”. Porque a única queda que pode arruinar a vida, é ficar por terra e não se deixar ajudar.
O Papa não os quer parados. Parte de uma Igreja imóvel na autocontemplação desolada dos pecados próprios e na convicção de que o mundo para o qual Cristo hoje nos chama a intervir, proclamando a sua mensagem, já não O compreende. Problema nosso.
Mostrar que a mensagem da Igreja é para o mundo do século XXI é a missão dos cristãos de hoje, falando alto aos ouvidos da sociedade dormente e adormecida. Com que recursos, com que meios? Com que vozes? Com os do séc. XXI, sendo “influencers” de Deus dentro e fora das redes.
O Papa diz que não é com novos planos pastorais nem soluções criativas que se consegue fazer ouvir a mensagem de Cristo. É com um novo enamoramento, um voltar à paixão inicial do primeiro encontro com Cristo. Mesmo entre os consagrados, os sacerdotes, os que já entregaram as suas vidas a Deus. A Renovação faz-se com gente que sabe o que quer e está novamente e permanentemente apaixonada.
Lembro-me da revolução de maio de 68 e comparo-a com a dos coletes amarelos, que desfilam entre desacatos nas mesmas ruas de Paris. O que os distingue? O Amor. Em 1968 vestia-se “Paz!” e reclamava-se Amor. Debaixo das pedras da calçada atiradas à mesma polícia diziam buscar cada um “a sua praia”. Hoje mistura-se apenas frustração e desespero. Não se está por, está-se só contra. Debaixo das pedras dos passeios atiradas à polícia, só se descobrem ratos.
O Papa, nos seus mais de 80 anos, marcou o próximo encontro com os mesmos adolescentes e jovens adultos para 2022, em Lisboa. Sei de muitos que foram a Madrid e não conseguiram ir ao Panamá.
As jornadas são uma espécie de vicio contra o envelhecimento. Vai-se a uma, e quer-se mais. Não é difícil pensar que serão muitos mais à beira Tejo. Não os oito milhões da missa de Manila, onde ainda esta semana, numa outra missa, um atentado tentou fazer “explodir dezenas de cristãos incómodos”. Desses que teimam em acolher emigrantes e recusam matar narcotraficantes sem direito a julgamento. O cristianismo incómodo ontem, continua perigoso hoje.
As jornadas serão em 2022, mas isso é já “amanhã”, nem dá tempo para esperar por elas. Se se cumprirem os votos do Panamá o mundo vai estar diferente. Aqueles miúdos vão tentar mudá-lo agora. Quando vierem daqui a 3 anos (talvez volte a haver Marcelo e ainda esteja Medina para os receber, a crise então é quase certa…) mas, em tudo o mais o mundo já estará mudado.
Quem sabe se estará melhor ou ainda mais infrequentável. Seja como for, aquela magnifica assembleia das Nações Unidas que se reuniu na cidade do Panamá encontrar-se-á ainda em maior festa na fronteira entre Lisboa e Loures. Uma coisa é certa: será sempre constituída por gente que exige supervisão. Gente apaixonada é por definição capaz de tudo. Perigosa. Um ou dois milhões de jovens apaixonados, com causas próprias, e vontade de lutar por elas. Perigosíssima. Mesmo que um milhão de jovens venha apenas “flirtar” em excursão, já pensaram no perigo do outro milhão de jovens apaixonados em peregrinação? Armados da cabeça aos pés ao serviço do Amor? Um risco constitucional. Alerta vermelho para todo o continente e ilhas ao Estado laico.