O socialista Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social (CES), reconhece que há razões de queixa dos parceiros sociais sobre a concertação social.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal “Público”, Francisco Assis promete empenhar-se para ultrapassar esse problema e tornar o CES mais ativo.
Como presidente do Conselho Económico e Social, que avaliação faz da gestão da pandemia feita pelo Governo?
Essa avaliação só a poderemos fazer no final de todo este processo. Agora é tempo de ação. Vi uma entrevista na TVI do dr. Rui Rio onde, mais uma vez, apreciei o seu sentido de Estado. E ele disse muito claramente que há questões que não pode colocar porque percebe a fase que estamos a atravessar. Se ele próprio, que é líder da oposição, não o pode fazer, eu muito menos, que sou presidente do Conselho Económico e Social.
Estamos numa fase única, muito difícil e o nosso dever é de todos contribuirmos para que se encontrem sempre as melhores soluções, porque o que está em causa é o limite máximo, são vidas humanas. Não é que a democracia esteja suspensa, mas devemos ter uma autolimitação.
É evidente que há discussões que se podem fazer. Uma discussão que eu tenciono promover no âmbito do CES é sobre o nosso modelo de saúde em Portugal. Como está o Serviço Nacional de Saúde, como está o sistema de saúde em geral, como se pode articular o Serviço Nacional de Saúde com a oferta privada que hoje é muito significativa. Temos hoje 3,5 milhões de portugueses que têm seguros de saúde e que correspondem no essencial à classe média e classe média-baixa, o que significa que estas pessoas verdadeiramente não confiam muito no SNS. Portanto, alguma coisa não está a correr bem e tem que ser repensada. Convidei o antigo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes para ser conselheiro do CES, porque é um profundo conhecedor desta área. Convidei-o para ele dar um contributo e para organizarmos um grande debate sobre este tema.
Acha que há um inquinamento ideológico neste debate?
Não acho nada mal que haja divergências ideológicas. Agora, neste momento o que é importante é que toda a capacidade instalada seja colocada ao serviço do único desígnio com que devemos estar preocupados, que é salvar vidas humanas. Não é momento para termos qualquer hesitação. Tem que haver uma determinação absoluta em pôr toda a capacidade do país para salvar vidas. É disso que estamos a falar.
São muito poucos os momentos na História em que um político tem que tomar decisões com consequências tão radicais. Penso que essa preocupação existe e há uma vontade clara de todos os setores ligados à saúde, sejam públicos, sejam privados, de contribuírem para fazer face a esta gravíssima crise com que estamos confrontados.
Com os subsídios a trabalhadores e a empresas estamos a manter atividade de forma artificial. Quando regressarmos à normalidade podemos ver falências, aumento do desemprego. Como será possível manter a paz social?
É uma preocupação de todos, minha, do Governo, dos partidos da oposição. E nós em Portugal não temos a capacidade de apoiar a economia que têm outros países europeus com situações melhores em matéria de folgas orçamentais.
A grande preocupação que existe é manter as empresas vivas e garantir que as pessoas tenham os rendimentos que lhes permitam ter condições de vida com dignidade que uma sociedade civilizada deve garantir a todo e qualquer cidadão.
Esta crise é diferente. Com as vacinas, há agora uma expectativa no horizonte de que isto vai passar. E quando isto passar vamos regressar à normalidade até de uma maneira mais rápida do que se pensa. As previsões económicas foram sistematicamente desmentidas pela realidade. As coisas nunca correram tão mal como os economistas previram.
Está otimista?
Razoavelmente. Julgo que, superada a crise sanitária, se mantivermos as empresas vivas e as pessoas com os rendimentos necessários para poderem consumir normalmente logo após a crise - a nível português e a nível europeu, porque isto está tudo integrado - estou convencido que, em pouco tempo, teremos uma retoma no crescimento económico. Acho que o turismo se vai recuperar logo, porque as pessoas vão querer voltar a fazer o que estiveram impedidas de fazer.
Os membros do conselho permanente da Concertação Social queixam-se muito de alguma desvalorização, que o Governo só a consulta porque é obrigado... Há aqui uma desvalorização deste instrumento ou é só uma questão de conjuntura?
É verdade que os documentos são apresentados muito em cima da hora. Penso que tem a ver com a conjuntura atual. Eu próprio também entendo que o Governo deve valorizar mais - não estou a dizer que não valorize - a concertação social. Os ministros mais diretamente envolvidos, a ministra do Trabalho e o ministro da Economia, claramente valorizam.
Compreendo essa preocupação dos parceiros sociais, numa parte significativa subscrevo essa preocupação e enquanto presidente do CES tudo farei para que esse problema seja ultrapassado. E também temos que melhorar o CES, que tem que ter um papel mais ativo.
O que pensa fazer para dinamizar mais o CES?
Queremos discutir a produtividade da economia portuguesa e a desigualdade de género, nomeadamente no mundo do trabalho. Outra coisa que tenho vindo a ponderar... Uma das coisas mais negativas que ocorreram nesta campanha para a Presidência da República foi a forma como o candidato da extrema-direita tratou a comunidade cigana portuguesa. Foi das coisas que mais me chocou, considero isso absolutamente infame.
Agora, isso não significa que não haja problemas sérios ao nível socioeconómico na comunidade cigana. E muitas das políticas que levámos a cabo não tiveram o sucesso que deveriam ter tido. Um estudo rigoroso e sério, que envolva auscultação de universidades, associações, parece-me que é uma coisa muito importante para respondermos com rigor e seriedade à demagogia primária.