Estamos no inverno, por isso não são de estranhar a chuva e o frio. Em Portugal até agora temos sido poupados a fenómenos meteorológicos extremos que atingiram vários países europeus nos últimos meses. Nesta altura, quem vive próximo da costa atlântica, que é a maioria da população portuguesa continental, até poderá julgar que já choveu que chegue – mas isso não é verdade.
No Algarve e no Baixo Alentejo a seca não foi ultrapassada, pelo contrário, agravou-se. E de Espanha chegam notícias de grave falta de água na Catalunha e na Andaluzia. Os espanhóis insistem em aceder a água do Alqueva, mas sobre essa delicada questão não há ainda uma posição do Governo – talvez só surja com o Governo que saia das eleições de 10 de março.
A questão é delicada porque têm entre nós surgido vozes a defender os chamados transvases, trazendo água do Norte e do Centro para o Sul, onde ela escasseia. Esta operação baseia-se na ideia de que o Norte tem excesso de água; ora há muito quem conteste essa ideia.
Por exemplo, o prof. Rui Cortes, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), membro do Conselho Nacional da Água e do movimento de defesa da bacia hidrográfica do rio Douro “MovRioDouro”, considera que os transvases de água do Norte para o Sul configuram uma "situação muito perigosa" em termos ambientais, económicos e regulamentares – isto porque a directiva-quadro da água não aceita transvases.
Um transvase implicaria obras absolutamente astronómicas do ponto de vista económico, segundo o prof. Rui Cortes. E partiria de uma premissa errada, a de que existe excesso de água a Norte. Rui Cortes lembrou que no ano passado "praticamente toda a bacia do Douro atingiu situações de seca extrema", e mesmo em "bacias onde chove imenso, no caso a do Lima, a albufeira do Alto Lindoso esteve abaixo dos 17% de capacidade".
Em Espanha há transvases, que originaram alguns conflitos sérios. É o que teremos entre nós, caso se avançar para transvases Norte-Sul.
Entretanto, agricultores do Algarve reclamam apoios, pois as suas culturas definham por falta de água. O Estado deve apoiar estes agricultores, mas exigindo uma transição programada para culturas menos dependentes de água. Sabe-se, por exemplo, que a cultura do abacate tem crescido em terras algarvias – agora está ameaçada, como era previsível.
E há outros problemas, que agravam a falta de água no Algarve. Basta pensar nas perdas de água nos sistemas de abastecimento da região, que se calculam num volume equivalente à produção da futura unidade dessalinizadora a instalar em Albufeira. Enfim, mais uma questão de que muito se falou, mas onde faltou o indispensável planeamento.