Serão pelo menos 700 mil as pessoas sem casa em toda a União Europeia. São pessoas que dormem na rua ou temporariamente em albergues sociais ou centros de acolhimento. A estimativa é da Federação Europeia das Organizações Nacionais (Feantsa), que trabalha com os sem-abrigo e cujo último relatório sobre o assunto data de abril deste ano.
Uma das dificuldades em lidar com o assunto prende-se com o facto de não existirem dados exatos sobre o número de pessoas sem-abrigo. Isto deve-se à natureza do problema e ao facto de as autoridades nacionais nem sempre seguirem a mesma metodologia na recolha de dados. Por isso, a coordenadora na Feantsa sublinha que uma das prioridades é a realização de estatísticas a nível europeu sobre este problema que atinge todos os Estados-membros.
"A situação é muito séria e preocupante", explica Ruth Owen em entrevista à Renascença em Bruxelas. "Está a piorar em vários países. É um fenómeno que atinge toda a União Europeia. Em alguns países os indicadores são estáveis mas elevados, noutros Estados-membros têm vindo a piorar".
O problema atinge todos os Estados-membros, independentemente do seu poder económico ou situação geográfica. Assim, e de acordo com os dados compilados pela Feantsa, estima-se que o número de pessoas sem-abrigo na Alemanha tenha aumentado de 330 mil para cerca de 420 mil entre 2014 e 2016 (sem contar com os refugiados). Em Bruxelas, em 2016, contaram-se 3386 pessoas sem domicílio. Na Dinamarca (2017) foram identificadas 6.635 pessoas nestas condições. Já em Madrid, um inquérito das autoridades municipais contabilizou 524 pessoas a dormir na rua e 1.535 em diferentes centros de acolhimento. Na Polónia (2017) as autoridades identificaram 33.408 pessoas sem casa. É uma crua realidade que atinge toda a UE.
Há várias fatores que contribuem para agravar o problema. "Os preços da habitação aumentam mais depressa do que os rendimentos na União Europeia, o que torna o acesso à habitação mais difícil para as pessoas", explica Ruth Owen. "Isto, combinado com as medidas de austeridade e grandes cortes na despesa social, torna as pessoas mais vulneráveis e faz com que não tenham capacidade para manter as suas casas. Os mais vulneráveis são os mais afetados."
O exemplo da Finlândia
O único país da Europa onde o número de sem-abrigo tem diminuído é na Finlândia, graças a um programa - Habitação Primeiro - que pretende agir de forma preventiva. O programa inclui a prevenção de despejos, facilita o acesso à habitação a quem tem dificuldades, evitando que as pessoas corram o risco de ficar na rua. É uma abordagem diferente.
"A UE pode monitorizar o que está a acontecer e aprender com as políticas que funcionam, como a estratégia do programa Habitação Primeiro na Finlândia"
Em vez de, a posteriori, se gerir o problema dos sem-abrigo como uma crise humanitária permanente, tenta-se atuar a montante e evitar que as pessoas caiam numa situação limite. A Finlândia conseguiu reduzir o número de pessoas sozinhas sem-abrigo de 20 mil (anos 1980) para 6.615 (dados de novembro de 2017).
Apesar de esta ser uma matéria de competência política dos Estados-membros, a União Europeia pode e deve fazer mais, considera a Federação Europeia das Organizações de Apoio aos Sem-Abrigo.
"A União Europeia pode monitorizar o que está a acontecer e aprender com as políticas que funcionam, como a estratégia do programa Habitação Primeiro na Finlândia. E também ajudar os Estados-membros a avançar para melhores políticas e a passarem de uma gestão dos sem-abrigo que é ineficaz para o objetivo de acabar com o problema."
Apesar de a UE não ter competências diretas nesta matérias, "tem responsabilidades", defende Sandra Pereira, vice-presidente da Comissão dos Assuntos Sociais no Parlamento Europeu, à Renascença. "Por um lado, as políticas de austeridade impostas a vários países criaram mais situações de pobreza e desigualdade. Por outro, o rigor orçamental exigido aos Estados-membros também impede o investimento necessário."
Para a eurodeputada do PCP, são necessárias medidas em várias áreas, desde o apoio social e psicológico a estas pessoas à urgência de tornar efetivos os direitos básicos à habitação, à saúde e ao emprego.
O problema do acesso à habitação na UE está muitas vezes relacionado com as dificuldades em pagar as despesas da casa. Assim, 10% dos agregados familiares (ou seja, mais de 23 milhões de lares)em todo o território comunitário gastam cerca de 40% dos seus rendimentos com a habitação e 3,3% têm dificuldades em pagar a renda ou o empréstimo bancário. É também esta a realidade europeia.