O PS considerou esta quinta-feira natural a decisão do Presidente da República de requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma que despenaliza a morte medicamente assistida e adiantou que aguarda "com tranquilidade" a pronúncia do Tribunal Constitucional.
Em declarações à agência Lusa, a deputada socialista e constitucionalista Isabel Moreira disse que o Grupo Parlamentar do PS encara "com naturalidade o exercício de uma das faculdades que a Constituição dá ao Presidente da República quando recebe um diploma: a promulgação, o veto político ou o envio para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva".
"O Grupo Parlamentar do PS aguarda com serenidade a pronúncia do Tribunal Constitucional. Pela nossa parte, fizemos o diploma com toda a atenção à Constituição, à jurisprudência quer nacional quer europeia que existe sobre a matéria", afirmou Isabel Moreira.
Na fundamentação do seu pedido de fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional, Marcelo Rebelo de Sousa alega que no diploma se recorre a "conceitos excessivamente indeterminados, na definição dos requisitos de permissão da despenalização da morte medicamente assistida" e consagra-se "a delegação, pela Assembleia da República, de matéria que lhe competia densificar".
Perante esta posição do chefe de Estado, a constitucionalista e deputada socialista observou que esse aspeto "foi largamente discutido" nos grupos de trabalho desta legislatura e da anterior.
"É impossível fazer uma lei deste tipo sem conceitos indeterminados. O importante é que eles sejam determináveis", contrapôs.
Isabel Moreira mostrou-se depois "confiante" que os conceitos presentes na lei "são determináveis".
"E isso é que é importante para o teste da constitucionalidade. Naturalmente, o Presidente da República tem direito à sua opinião. Aguardamos com serenidade a pronúncia do Tribunal Constitucional", acrescentou.
Bloco de Esquerda – “Apreciação política”
Também o Bloco de Esquerda diz encarar “com naturalidade” o envio para o Tribunal Constitucional (TC) do diploma que despenaliza a eutanásia, e defende tratar-se uma lei feita “com humanidade, sem sombra de inconstitucionalidade”.
Em declarações aos jornalistas no Parlamento, o líder parlamentar do Bloco, Pedro Filipe Soares, disse que “é um envio já esperado, vemos isso com naturalidade. O Presidente da República já tinha mostrado posições contrárias ao pretendido por esta lei, mas tinha também anunciado que não era por questões políticas que a iria vetar”.
O deputado do Bloco disse que o partido está certo de que a lei “não tem nenhuma sombra de inconstitucionalidade” e atribuiu a decisão presidencial mais a “pressões” da sua base política de apoio, do que a dúvidas sobre a conformidade à Lei fundamental.
“A partir de agora, temos um calendário preciso para a resposta do Tribunal Constitucional e, portanto, estamos a um passo muito curto de termos uma lei humana, sensível e solidária”, defendeu Pedro Filipe Soares.
Questionado se ficou surpreendido com a rapidez com que o chefe de Estado – que recebeu o diploma esta sexta-feira – decidiu sobre o envio para o TC, Pedro Filipe Soares considera que tal confirma tratar-se sobretudo de uma apreciação política.
“Creio que isso demonstra que não advém da análise ao diploma nem de suspeita de qualquer inconstitucionalidade, mas de uma posição política previamente assumida que advém de pressões da base política do Presidente da República, normal em democracia”, afirmou.
Iniciativa Liberal – “Expectável”
O presidente e deputado único da Iniciativa Liberal considera que era “expectável” o envio para o Tribunal Constitucional (TC) do diploma que despenaliza a eutanásia, mas disse confiar na conformidade à Lei fundamental.
“No contexto dos poderes do Presidente da República, é um pedido de fiscalização sucessiva absolutamente normal (…) Não vou comentar em concreto os reparos do Presidente, do ponto de vista político era expectável”, afirmou João Cotrim Figueiredo, em declarações aos jornalistas no parlamento.
O deputado da Iniciativa Liberal disse estar “confiante” de que a lei aprovada pela Assembleia da República “está perfeitamente dentro dos limites constitucionais”, sobretudo depois de duas alterações introduzidas pelo seu partido.
“A exigência de acesso a cuidados prévios de paliativos e uma solução quanto à objeção de consciência dos profissionais de saúde mais robusta do que estava na versão inicial”, salientou.
PEV disponível para “expurgar”
O PEV manifesta-se convicto de que o diploma está de acordo com a Lei Fundamental, mas adiantou estar desde já disponível no Parlamento para expurgar normas que eventualmente sejam consideradas inconstitucionais.
"O Presidente da República entendeu submeter ao Tribunal Constitucional o decreto desta Assembleia da República sobre morte medicamente assistida. Sabemos que o Presidente da República diz que há recurso excessivo a conceitos indeterminados, mas o PEV não tem essa leitura", afirma o deputado do PEV José Luís Ferreira.
José Luís Ferreira referiu depois que o processo legislativo na Assembleia da República foi "dos mais participados do ponto de vista do debate e foi feito com todas as cautelas para evitar qualquer inconstitucionalidade".
"Acreditamos que o diploma é absolutamente constitucional, não temos dúvidas sobre isso. Mas, para o caso de o Tribunal Constitucional julgar que há normas inconstitucionais no decreto, o PEV manifesta desde já toda a disponibilidade para procurar soluções que consigam expurgar essas eventuais normas", disse.
Para o deputado do PEV, o fundamental "é que Portugal tenha uma lei sobre morte medicamente assistida".
PAN critica silêncio na campanha
O PAN manifestou-se confiante na constitucionalidade do diploma mas lamenta que o Presidente da República nada tenha dito na campanha sobre a sua intenção de enviar o texto para o Tribunal Constitucional (TC).
“Temos a plena convicção de que texto final aprovado pela Assembleia da República está conforme à Constituição, foi um processo amplamente participado e debatido e que contou com contributos de diferentes especialistas e pareceres”, salientou a líder parlamentar do partido Pessoas-Animais-Natureza, Inês Sousa Real, em declarações aos jornalistas no parlamento.
Ainda assim, a deputada admitiu que “se houver algo a apontar” por parte do TC, “há todo um caminho que pode e deve ser feito” pelo Parlamento para ajustar a lei.
“Não podemos deixar de criticar a ausência no debate das presidenciais por parte do Presidente da República (…) Não disse nada sobre este tema na campanha eleitoral, o que é lamentável, teria sido importante para os portugueses saberem o que pensa numa matéria tão importante como o direito a não sofrer no final da vida”, afirmou.
Inês Sousa Real disse ainda discordar dos fundamentos do pedido do chefe de Estado, salientando que o diploma foi fruto de um processo “muito refletido, muito trabalhado”.
Segunda vez que Marcelo recorre ao TC
Esta é a segunda vez que Marcelo Rebelo de Sousa recorre ao Tribunal Constitucional desde que assumiu a chefia do Estado, em 9 de março de 2016.
Sobre a eutanásia, quando surgiram iniciativas legislativas, o chefe de Estado defendeu que deveria haver um amplo e longo debate na sociedade portuguesa, mas recusou sempre revelar a sua posição pessoal e antecipar uma decisão – promulgação, veto ou envio para o Tribunal Constitucional – antes de lhe chegar algum diploma.
No dia 29 de janeiro, a Assembleia da República aprovou um diploma segundo o qual deixa de ser punida a "antecipação da morte medicamente assistida" verificadas as seguintes condições: "Por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
Votaram a favor a maioria da bancada do PS, 14 deputados do PSD, incluindo o presidente do partido, Rui Rio, todos os do BE, do PAN, do PEV, o deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.
Votaram contra 56 deputados do PSD, nove do PS, incluindo o secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, todos os do PCP, do CDS-PP e o deputado único do Chega, André Ventura.
Numa votação em que participaram 218 dos 230 deputados, com um total de 136 votos a favor e 78 contra, registaram-se duas abstenções na bancada do PS e duas na do PSD.
O diploma aprovado em votação final global resultou de projetos de lei de BE, PS, PAN, PEV e Iniciativa Liberal aprovados na generalidade em fevereiro de 2020. A respetiva discussão e votação na especialidade terminou em janeiro deste ano.