A diretora de comunicações da Casa Branca, Hope Hicks, anunciou esta quarta-feira que vai deixar de trabalhar para a administração Trump dentro de poucas semanas, regressando à vida privada.
O anúncio não foi propriamente uma surpresa, já que corriam rumores em Washington sobre a sua saída de funções. Hicks terá feito saber a alguns colegas e ao próprio presidente que estava interessada em explorar outras oportunidades profissionais fora do âmbito público.
A saída é considerada pacífica e não reflete qualquer divergência política com Trump. Ambas as partes fizeram questão de o assinalar. Hicks elogiando o presidente e dizendo que espera um dia voltar a trabalhar com ele. Trump e o seu chefe de gabinete, John Kelly, exprimindo o mesmo desejo e enaltecendo a ação da colaboradora.
De resto, divergências com Trump seriam sempre difíceis de encontrar neste caso, porque Hope Hicks era confessadamente uma pessoa que pouco percebia de política e que chegou ao cargo de diretora de comunicações da Casa Branca na sequência de demissões anteriores que o deixaram vago.
Esta é a 27ª baixa na administração Trump, que tomou posse há apenas 13 meses. Uma média superior a duas saídas mensais, o que constitui um recorde na política americana.
O anúncio ocorreu no dia seguinte à sua ida ao Congresso para depor na Comissão dos Serviços Secretos da Câmara de Representantes, que investiga o caso da interferência russa na campanha eleitoral. Durante as nove horas que lá permaneceu, Hicks recusou-se a falar sobre o tempo passado na Casa Branca, após a tomada de posse do presidente. Limitou-se a falar sobre o tempo da campanha eleitoral e da fase de transição de poder entre as duas administrações.
Sem invocar o chamado “privilégio executivo”, que pode resguardar os colaboradores do presidente de revelar algo que se passe no interior da Casa Branca, Hicks mostrou a sua lealdade a Trump, dizendo que lhe tinha sido pedido que mantivesse sigilo sobre assuntos da administração em funções.
Uma atitude que desagradou aos democratas na comissão, que propuseram que fosse usada a figura da intimação para forçar Hicks a revelar o que sabia. Os republicanos, contudo, não concordaram.
Da sua passagem pela Comissão dos Serviços Secretos, transpirou apenas que ela terá admitido que disse “algumas mentiras piedosas”, mas que nunca mentiu sobre as questões importantes, nomeadamente sobre o que estava relacionado com a investigação em curso.
Refira-se que Hope Hicks já depôs perante o procurador especial Robert Mueller, que conduz a investigação criminal ao caso da Rússia, mas todo o processo permanece em sigilo.
Com apenas 29 anos, Hope Hicks tem um percurso atípico. Sem qualquer formação na área política, começou por ser modelo e por trabalhar com Ivanka Trump nesse âmbito. Quando Donald avançou para a candidatura presidencial, em 2015, juntou-se à campanha, transformando-se rapidamente numa espécie de secretária pessoal de total confiança de Trump. Muito discreta, evitou sempre as luzes da ribalta e, ao ganhar a confiança de Trump, tornou-se também uma das pessoas mais influentes junto do candidato e mais tarde do presidente.
No contexto caótico em que decorreu a campanha, Hicks desempenhou todo o tipo de tarefas, incluindo as mais comezinhas. Uma delas era garantir que no final de cada comício havia sempre dois hambúrgueres McDonalds quentes para deleite do candidato. Trump, obcecado com a hipótese de ser envenenado, só comia McDonalds nas suas deslocações pelo país. Algo que também corresponde ao seu gosto gastronómico, naturalmente.
A outra tarefa em que Hicks não podia falhar era passar a ferro as calças do candidato, mesmo sem ele as tirar. Para isso havia uma máquina disponível que Hicks aprendeu a operar. Para seu infortúnio, um dia esqueceu-se dela e experimentou a fúria de Trump, que a descompôs aos gritos perante toda a caravana da campanha.
E não se pense que as duas histórias são fruto da má língua da oposição. Elas são narradas por Corey Lewandowski, um incondicional que foi diretor de campanha de Trump durante vários meses, num livro apologético do candidato.
Lewandowski foi substituído como diretor de campanha em maio de 2016 por Paul Manafort, que se manteve no cargo durante cerca de quatro meses, e que hoje está em prisão domiciliária e com mais de 30 acusações pendentes, que vão de fuga aos impostos a lavagem de dinheiro e conspiração com potência estrangeira.
O facto de Hope Hicks não ter formação política, nem vocação para tal atividade, não a impediu, porém, de chegar a diretora de comunicações da Casa Branca. Um sinal - mais um - de que Trump privilegia acima de tudo a lealdade, apesar de proclamar frequentemente que todas as escolhas devem ser feitas por mérito, incluindo a admissão de imigrantes nos Estados Unidos.