A mulher suspeita de ter vandalizado o Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, arrisca uma pena de cinco anos de prisão, disse à Renascença o advogado especialista em Direito Penal, Pedro Duro.
A Polícia Judiciária (PJ) identificou uma cidadã estrangeira por ter grafitado o Padrão dos Descobrimentos com uma frase em inglês.
O advogado especialista em Direito Penal, Pedro Duro, explica que está em causa o crime de dano qualificado, que pode levar a uma pena até cinco anos de prisão.
Pedro Duro explica que a pichagem no Padrão dos Descobrimentos representa um crime de dano contra património e bens culturais. A partir de agora, é preciso aguardar pela notificação da suspeita e, depois, ou a cidadã volta voluntariamente a Portugal, ou não.
As autoridades portuguesas identificaram uma mulher estrangeira como a responsável pelo “graffiti” no Padrão dos Descobrimentos, que entretanto já saiu do território português. O que é que as autoridades podem fazer agora?
Podem estar a fazer a notificação e tentar que ela venha a ser ouvida em Portugal. Ela acabará por ser constituída arguida por um crime de dano. Isto é o crime de dano qualificado, portanto é um crime público, no sentido que não é preciso a apresentação de queixa da parte de ninguém, nem da parte do Ministério.
Isto é um crime que está previsto especificamente para o caso de danificação ou desfiguração de monumentos públicos, como é o caso aqui, e nessa medida o processo inicia-se de uma forma relativamente automática e oficiosa e, iniciando-se o processo, ela vai ser notificada para ser constituída arguida por esse crime, que prevê uma pena de prisão até cinco anos.
Depois, ela poderá corresponder ou não, mas aí proceder-se-á a colaboração com as entidades locais. Sendo uma cidadã europeia, será relativamente fácil notificá-la. Das duas uma: ou ela está disponível para vir a Portugal para acompanhar os procedimentos; ou as coisas acabam por ser feitas através da cooperação judiciária internacional.
Mas tem funcionado. Aliás, até há cidadãos que preferem vir nestes casos em que estamos a falar de algum tipo de criminalidade mais organizada, e acabam por vir a julgamento. Houve um outro caso em Portugal, não foi o mesmo tipo de crime, como a invasão no Festival da Canção, em que os cidadãos acabaram por optar por estar presentes em julgamento.
Estas medidas de algum “enforcement” em colaboração com as autoridades estrangeiras poderão existir para a notificação, e depois para assegurar em primeira linha a assistência aos atos e depois o eventual cumprimento de pena.
Qual é a moldura penal deste tipo de crime?
Neste caso, é precisamente até cinco anos de prisão. O dano tem, no fundo, três figuras: há o dano negligente, que é aquele que eu provoco por um desleixo meu qualquer, não é crime, pode haver uma indemnização se partir um vidro do vizinho, mas isso não é crime; há o dano simples, que depende de queixa, mas tem de haver intenção; e dentro do dano com intenção, doloso, há ainda o dano qualificado.
Uma das qualificações é o dano ser cometido sobre monumento público: pode ser destruição, de todo ou em parte, danificação, desfiguração (que seria um bocadinho o caso) ou torná-lo inutilizável, que não é obviamente aqui o caso. Nesses casos, a pena de prisão é até cinco anos.
Em 2013, quando se tentou regular o “graffiti”, que depende ainda de autorização das câmaras municipais, houve uma cerca confusão nos tribunais porque, como estavam previstas coimas, houve alguns tribunais que disseram que o diploma de 2013 tinha revogado tacitamente estas normas do Código Penal. Mas o Supremo Tribunal veio mais tarde dizer que não é assim, e o Código foi mexido em 2017 neste crime. Não há dúvida que a norma que se aplica aqui é relativa ao crime de dano qualificado, que é o artigo 213 do Código Penal.
Depois de múltiplos casos de vandalismo em monumentos e estátuas, tanto no estrangeiro como em Portugal - como por exemplo, a estátua de padre António Vieira -, a legislação em vigor está adequada a estes casos?
Há a resposta política e há a resposta técnica. Eu não vou dar a primeira. Aos políticos cabe dizer outra coisa. O que lhe posso dizer é o seguinte: do ponto de vista técnico, nós temos molduras penais que vão até 25 anos de prisão, para crimes como o genocídio, crimes contra a Humanidade, crimes de guerra, e também do homicídio qualificado.
Se considerarmos que a destruição de um monumento vai até cinco anos, comparando isso com o genocídio, sendo certo que, quando estamos a falar de destruições de monumentos em caso de terrorismo e em caso de guerra, as molduras penais são obviamente diferentes (porque já cabem no crime de terrorismo ou podem cair nos crimes previstos num conjunto de normas que tratou de transpor para o ordenamento jurídico português o que resultava do Tratado de Roma, que institui o tribunal penal internacional em Haia) e se pensarmos nesses crimes de destruição, estamos a falar de penas de prisão na ordem de grandeza dos crimes contra a Humanidade.
Nestes casos, não estamos nesse contexto ideológico, nesse contexto de conflito, e comparar os cinco anos de prisão com o nosso teto máximo, parece-me que é equilibrado. Apesar de tudo, estamos a falar de um crime contra o património, mas também contra bens culturais, daí prever uma pena de prisão de cinco anos. Se fosse dano simples, seria uma pena menor.
No que é a nossa lógica interna, é equilibrada. Se entendermos que a nossa lógica interna não está correta, isso é uma decisão da democracia.