1. O plano da Habitação não morreu, mas está gravemente ferido. As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa ao Correio da Manhã são absolutamente assassinas ao sugerirem que o Governo não tem qualquer intenção de passar este pacote à prática e que se trata de uma mascarada. No fundo, é o que o Presidente da República quer dizer ao usar a expressão de que se trata de uma "lei-cartaz".
Marcelo já tinha dito na entrevista à RTP e ao Público que a lei tinha dificuldades de operacionalidade, sobretudo em relação às autarquias, mas estas declarações arrasam o plano ao sugerir que se trata de uma fantochada que o Governo apresenta, mas não quer realmente aplicar. Resta saber se isto é argumento bastante para um eventual veto político ou se, antes disso, até envia as medidas para o Tribunal Constitucional, sendo que na entrevista já mostrou dúvidas em relação a alguns pontos.
2. Estas declarações atingem diretamente o primeiro-ministro. Este é um plano pelo qual António Costa pôs a cabeça no cepo, deixando muito pouco palco à nova ministra da Habitação. O primeiro-ministro dirigiu as duas conferências de imprensa de apresentação do plano e, portanto, Costa nem sequer pode colocar o ónus diretamente em Marina Gonçalves. Fica a pergunta se à boleia disto o primeiro-ministro deixa cair algumas das medidas mais polémicas - a do arrendamento coercivo, por exemplo -, deixando o pacote algo decapitado ou se, pelo contrário, entra em confronto direto com o Presidente da República. Esta segunda opção é tudo o que o Governo tem evitado fazer, mas e se o primeiro-ministro decidir que não pode ser sempre como Marcelo quer?
3. É muito curioso que estas declarações surjam depois das de Cavaco Silva, no fim de semana. Parece que estamos a assistir a uma compita entre Marcelo e o seu antecessor no cargo e o Presidnete da República não terá querido deixar Cavaco a falar sozinho, descolando-se e desresponsabilizando-se por completo do plano para a Habitação.
Não terá sido indiferente para Marcelo ver que o ex-Presidente tenha feito críticas ao Governo com Luís Montenegro e Carlos Moedas ao lado. E também não é indiferente que Marcelo não tenha agora repetido as críticas que também fez às propostas do PSD para a Habitação na entrevista que deu à RTP e ao Público.
4. Se foi fácil ao PS e ao Governo responder às críticas de Cavaco Silva - as ministras da Habitação e da Presidência deram o troco ao ex-presidente, relativizando as declarações e deixando "as críticas com quem as faz" - será mais dificil responder a Marcelo, sendo que os socialistas têm tido orientação para não responder às críticas do Presidente da República.
Marcelo e Costa vão estar os dois juntos em público no próximo domingo. Vão ambos ao Luxemburgo assistir ao jogo da seleção nacional de futebol e, antes disso, vão visitar a comunidade portuguesa naquele país. Será curioso apreciar o "body language" e a troca de galhardetes entre os dois jogadores políticos.