Na passada terça-feira o jornal “Público” dedicou quatro páginas à atual situação em Macau. Dois jornalistas (Hugo Pinto e Isabel Castro, esta ex-residente naquele território) denunciaram a violação do acordo assinado em 1987 sobre a transferência da soberania de Portugal para a China.
Aquele acordo previa que, durante 50 anos, seriam mantidos em Macau os direitos, liberdades e garantias ali vigentes. Afinal, parece que o período de 50 anos, que terminaria em 2049, já acabou.
O mesmo está a acontecer em Hong-Kong, mas aí com forte e corajosa resistência dos democratas locais e intensa cobertura mediática no Reino Unido, o antigo “soberano”.
Em Macau nunca houve resistência democrática significativa, antes e depois do 25 de Abril. E Portugal parece ter-se esquecido daquele território, onde ainda vivem 170 mil portugueses.
Assim, a dois meses de eleições em Macau, uma comissão eleitoral decidiu excluir 21 candidatos, que pretendiam entrar na Assembleia Legislativa do território. Motivo: esses candidatos poderiam não respeitar a Lei Básica daquela região administrativa especial, bem como a constituição chinesa. Tradução: não davam garantias de respeitar os ditames do Partido Comunista Chinês (PCC).
A Televisão de Macau (TDM) passou a ser um órgão de propaganda do PCC; 10 jornalistas portugueses já se demitiram. A TDM, hoje, não divulga informações ou opiniões contrárias às políticas do PCC. Mais de metade dos jornalistas da Rádio Macau também se demitiram por idênticos motivos.
A tradicional vigília anual, em memória das vítimas do massacre de Tiananmen, passou a ser proibida em Macau, apesar de geralmente não envolver mais do que algumas dezenas de pessoas.
Em contrapartida, no corrente ano em Hong Kong e Macau pela primeira vez foi celebrado o aniversário do PCC, com os transportes públicos e os aparelhos de pagamentos eletrónicos exibindo símbolos da força política do PCC.
Todas estas mudanças aconteceram “sem que nenhuma lei tenha sido alterada”. É significativo: tal como acontecia com as palavras dos reis nas monarquias absolutas, a palavra do PCC tem força de lei, é superior a tudo e a todos.
Dois comentários breves. Primeiro, para estranhar o silêncio do Governo português face à violação de tratado que Portugal subscreveu de boa-fé.
Em segundo lugar, para compreender que casos como este, além de muitos outros, levem o Presidente Biden a prosseguir uma orientação mais dura em relação à China.
Uma orientação onde os benefícios do livre comércio são por vezes ultrapassados por precauções políticas. O que não agrada a Macron e a Merkel, por exemplo, que apostam no mercado chinês para venderem bens e serviços.
Linha dura que levanta reservas por parte de defensores do liberalismo económico, como é o caso do semanário “The Economist”, que eu muito prezo, mas não avalia bem o que significa a ditadura do PCC.
Xi Xinping tem o objetivo declarado de mostrar ao mundo que o seu regime ultra repressivo é superior às “decadentes” democracias liberais.