Moradores de Miraflores apresentam queixa ao Ministério Público sobre urbanização polémica. Quercus pode fazer o mesmo
24-03-2023 - 07:00
 • João Cunha

No Parque dos Cisnes, em Miraflores, que está a nascer ao lado da Ribeira de Algés, não estarão a ser cumpridas regras de urbanismo. Preocupada com a situação, uma associação de moradores decidiu apresentar uma queixa ao Ministério Público. E denunciou o caso ao Provedor da Arquitetura. A Associação Ambientalista Quercus poderá vir a fazer o mesmo, junto da Procuradoria-Geral da República e da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.

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Nos 23 lotes que ocupam os cerca de oito hectares de terreno do Parque dos Cisnes, em Miraflores, no concelho der Algés, estão a nascer edifícios que não estarão a cumprir as regras do RGEU - o Regimento Geral das Edificações Urbanas. E por isso mesmo, Pedro Fonseca, da Associação de Moradores de Miraflores que, ainda para mais, é arquiteto, decidiu apresentar uma queixa ao Ministério Público.

"Há incumprimento, sobretudo ao nível do afastamento dos edifícios, que não cumprem uma lei básica do RGEU, que é a lei dos 45 graus da sua fachada, que prevê que a altura da fachada deverá estar livre na sua frente".

Imagine um edifício com 14 andares com cerca de 40 metros de altura. No topo da fachada, estabelece-se um ângulo de 45 graus e toda a área frente á fachada incluída nesse ângulo não pode ter construção. Não cumprindo esta regra, há quartos e salas em penas de edifícios que estão a cerca de 15 metros de distância dos edifícios vizinhos.


“Todos os edifícios têm um piso a mais, nomeadamente com piscinas, espaços de lazer e apartamentos que não cumprem o loteamento", Pedro Fonseca, Associação de Moradores de Miraflores.


Outra irregularidade: lotes de utilização pública, segundo a planta do projeto - que passam a lotes de utilização privada.

"Há um espaço designado na planta como espaço exterior privado com ónus de utilização pública, que passou a ser de utilização privada, porque nele vão ser instaladas as piscinas destes edifícios. Não se pode contrariar um jardim comum", lamenta Pedro Fonseca.

Mas há mais: o que as plantas comerciais mostram não corresponde ao que está a ser construído.

“Todos os edifícios têm um piso a mais, nomeadamente com piscinas, espaços de lazer e apartamentos que não cumprem o loteamento. O que tem implicações em todas as áreas brutas de construção, porque o edifício tem um determinado limite de área de construção e tem áreas de construção acima do previsto".

Pedro Fonseca fez as contas. "Somando as áreas dos apartamentos com as áreas dos terraços e das varandas, percebe-se que têm área de construção a mais. Num dos lotes, identifiquei quase mil metros quadrados a mais".

Face às irregularidades, só resta uma solução.

"Estes projetos têm de ser revistos. Porque em última análise, a licença de habitação não pode ser emitida para estes apartamentos. Será uma ilegalidade muito grande se a licença de habitação for emitida pela Câmara Municipal de Oeiras".

Carlos Moura, da Direção Nacional da Quercus, analisou o local. E a conclusão foi óbvia.

"O que a Quercus fez foi uma análise sobre uma possível construção em leito de cheia. E o que verificamos é que existe esta ocupação, e assim sendo, legalmente e eticamente, a construção nestas condições é reprovável".

Agora, será a Direção Nacional da Quercus a decidir pela apresentação de uma queixa ao Ministério Público e à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território. Carlos Moura espera que a autarquia faça prova que as entidades que se pronunciam sobre o licenciamento daquelas construções deram parecer positivo.

"Não vi o processo de licenciamento", ressalva Carlos Moura, mas "caberia á Camara Municipal de Oeiras fazer a prova de que estas entidades se pronunciaram de um ponto de vista em relação a estes licenciamentos, nomeadamente a CCDR de Lisboa e Vale do Tejo em relação a esta construção em leito de cheia".


"A operação urbanística foi objeto de análise e informação favorável ao seu deferimento". Camara Municipal de Oeiras


Por escrito, o Município de Oeiras confirma ter rececionado, no final do ano passado, um pedido de informação do Ministério Público, relativo a uma queixa sobre o Parque dos Cisnes a que deu resposta.


Garante o município que “todas as operações urbanísticas submetidas a controlo prévio municipal são sujeitas a uma rigorosa análise por parte da equipa técnica afeta ao serviço de urbanismo, que se encontra devidamente habilitada a proceder à sua apreciação à luz das disposições legais e regulamentares aplicáveis, em particular no que respeita ao respetivo enquadramento nos instrumentos de gestão territorial em vigor”.

No caso em concreto, a operação urbanística foi objeto de análise e informação favorável ao seu deferimento.

A autarquia esclarece ainda que o alvará de loteamento permitiu uma redução da volumetria prevista, e que assim, o número de pisos aprovado nos processos de obra de construção cumpre o número de pisos aprovado na operação de loteamento, variável consoante o lote. E que a operação de loteamento, com 13 ou 14 andares advêm do Plano de Pormenor do Vale de Algés, onde estava previsto para esta área um máximo de 15 pisos.

Por fim, devido a um aditamento ao alvará de loteamento, antecedido por um procedimento de consulta pública, a autarquia indica que a área com ónus de utilização pública deu de facto lugar a uma área de utilização privada.

Questionada sobre se emitiu algum parecer sobre o Parque dos Cisnes, a CCDR-LVT - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo - indica não ter detetado documentos ou processos referentes ao referido Parque.