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Na nossa língua somos os suryoye, mas nas línguas europeias conhecem-nos como siríacos, assírios ou caldeus. Originários da Turquia, Síria e Iraque, somos um povo cristão que tem sido perseguido pela sua fé em terras maioritariamente muçulmanas há séculos. Já devem ter ouvido falar do genocídio dos arménios. Nessa altura morreram também entre 150 e 300 mil membros do meu povo. Muitos dos que não tombaram fugiram para a Síria ou para o Iraque, onde mais recentemente foram vítimas do Estado Islâmico.
Desde os anos 80 que milhares de membros da nossa comunidade emigraram para a Suécia. Estamos um pouco por todo o país, mas sobretudo aqui em Sodertalje. Temos aqui as nossas redes, canais de televisão, as nossas igrejas, catedrais e bispos e aqui tentamos manter a nossa língua e a nossa cultura, que está ameaçada nas nossas terras ancestrais.
O coronavírus atingiu a nossa comunidade de forma desproporcional em relação ao resto da população da Suécia. No país inteiro morreram perto de duas mil pessoas, cerca de 100 dos quais são suryoye.
Há várias razões que explicam isto. Ao contrário dos suecos, para nós o distanciamento social não vem naturalmente. Somos mediterrânicos. Visitamo-nos em família, temos muitas vezes os nossos idosos a viver connosco, ou então visitamo-los com frequência.
Quando alguém morre, por exemplo, há sempre dois dias de cerimónias fúnebres nas igrejas. Recentemente, antes da pandemia atingir a Suécia em força, dois jovens morreram, um assassinado e outro de causas naturais, e milhares de pessoas foram aos funerais. Alguns estavam infetados e esse foi um foco de contágio. Só de uma igreja em Estocolmo morreram entre 20 e 30 pessoas.
Agora todas as Igrejas estão fechadas, não há celebrações diárias nem dominicais. Nem pudemos celebrar a Páscoa. Nos enterros não podem participar mais do que 50 pessoas e nos batismos só a família direta. Isto é muito difícil para nós, porque a religião é uma parte importante da nossa identidade.
Eu conheço várias pessoas que estão infetadas, em perigo de vida. Pelo menos duas pessoas que conhecia bem já morreram, incluindo um, filho de um amigo, que morreu com 40 anos. Desde que soube que estava infetado até morrer foram 48 horas. Morreu também o filho de um dos nossos padres, que tinha 43 anos.
Recentemente um membro da comunidade falou num estudo que diria que as populações mediterrânicas são mais afetadas pelo vírus, e que é por isso que nós fomos mais atingidos aqui, tal como os italianos e os espanhóis. Mas eu não faço ideia se isso é verdade.
Os efeitos económicos também têm sido muito duros e o Governo não está a ajudar. A nossa comunidade tem sobretudo pequenas e médias empresas: restaurantes, salões de beleza, cabeleireiros, sapateiros, etc., e este setor da economia tem sido muito atingido.
As autoridades suecas tomaram as suas precauções, mas fizeram-no tendo em conta a realidade típica da Suécia. Este é um país onde as pessoas escutam o que as autoridades dizem, e por isso eles pensavam que bastaria dar a informação e as pessoas cumpriam. Não foi declarado um "lockdown" e as escolas ficaram abertas, até aos 16 anos, por exemplo, mas recomendou-se distânciamento social e isolamento. Mas algo correu mal. Esqueceram-se que a sociedade sueca já não é uniforme. A Suécia, e outros países europeus, têm de perceber que para comunicar com a população agora é preciso ter em conta as outras culturas e as outras línguas. Já não são sociedades estáticas, são dinâmicas e têm de saber chegar a todos. Mas isto não foi tido em consideração.
Por mais duro que seja, não é este vírus que vai derrubar o mundo. É só uma doença, e podemos vencê-la se respeitarmos as recomendações e as restrições. Mas sinto que faz falta uma OMS ou umas Nações Unidas mais fortes, para coordenar a resposta, porque isto não é um problema de um só país, afeta o mundo todo.
*Metin Rhawi nasceu na Turquia mas mudou-se para a Suécia aos seis anos. Membro ativo na vida política e social da comunidade, foi um dos fundadores da Suroyo TV e é diretor de relações externas da União Siríaca Europeia.