A deputada holandesa Judith Sargentini considera que a situação do Estado de direito na Hungria "está a piorar". Membro do grupo dos Verdes e da comissão das Liberdades Cívicas, foi autora da proposta aprovada em setembro pelo Parlamento Europeu que deu início a um procedimento disciplinar contra a Hungria por "risco manifesto de violação grave dos valores europeus".
É um longo processo que poderia culminar com sanções à Hungria - no entanto improvável porque no final a decisão exige a unanimidade dos Estados-membros e qualquer um pode vetar.
A eurodeputada manifesta ainda preocupação perante as ameaças ao Estado de direito e à liberdade de imprensa em alguns Estados-membros.
O seu relatório sobre a Hungria foi aprovado em setembro. Desde então notou algumas mudanças, algumas melhorias ou a situação está a piorar ?
Vejo mudanças na Hungria mas não melhorias. Vimos a Universidade Centro-europeia ter que deixar o país. Há um novo acordo agora sobre um novo tribunal administrativo que precisa de novos juízes. Juízes que vão ouvir mais cuidadosamente o governo, juízes menos independentes.
Há o que a oposição designa como « lei dos escravos » que significa que os húngaros podem ser instados a trabalhar até mais 400 horas por ano sem compensação directa. Penso que a situação na Hungria está a piorar, não a melhorar.
No discurso que fez no plenário [antes da votação do relatório sobre a Hungria], Viktor Orbán disse que a Hungria estava a ser condenada por ter escolhido não receber migrantes e que cabe aos húngaros decidir como pretendem viver. Porque é que o Parlamento Europeu se deve pronunciar sobre a Hungria ?
Dificilmente, este relatório é sobre asilo e migração. O relatório é sobre os direitos dos húngaros. Os húngaros são cidadãos europeus, como você e eu, habilitados a terem todos os direitos de que beneficiamos, como a liberdade de associação e de imprensa, uma justiça justa e liberdade académica.
Viktor Orbán quer debater a migração porque está a tentar encontrar um bode expiatório externo a quem deitar culpas pelo facto de os húngaros não beneficiarem o suficiente da economia que não está a crescer. Por isso, ele culpa Bruxelas ou os migrantes, tenta reduzir a questão à migração. Ora, não é disso que se trata mas sim dos húngaros e dos seus direitos.
Parece-lhe que Viktor Orbán está a tornar-se mais autoritário ?
Definitivamente. Repare no que aconteceu há cerca de dois meses : os media que foram tranquilamente comprados pelos seus amigos através de empréstimos baratos do governo e que dizem o governo que o governo diz.
Estes media ficarão sob um mesmo conglomerado que será o maior do país. Ninguém verificou se isto é ou não justo de ponto de vista da concorrência. Isto é outra forma de Viktor Orbán garantir que os cidadãos só ouvem que ele quer. Acho isto muito perigoso.
Mas ele foi eleito com amplo apoio.
Sim, foi. Penso que todos os partidos políticos na Europa têm inveja dos seus resultados. Ele conseguiu quase 50% dos votos mas tem dois terços dos assentos parlamentares. Isso é porque ele mudou a lei eleitoral duas vezes em oito anos. Isto é a primeira coisa.
A outra coisa, é que a democracia na Europa não significa que o vencedor fica com tudo. Democracia na Europa significa que se respeitam as minorias, sejam étnicas ou culturais, ou as pessoas que discordam de nós.
Em geral parece-lhe que as ameaças ao Estado de direito, à liberdade de imprensa e aos valores europeus estão a crescer na Europa ?
Penso que estão. Repare na Itália onde há um governo da Liga com o Movimento 5 Estrelas, onde foram detidos autarcas que estiveram bem ao acolher migrantes nas suas sociedades, o que sempre esteve bem. Agora têm sido ameaçados com alegações de que fazem tráfico de pessoas.
Sim, estou preocupada com a Áustria onde há um governo com o partido FPO de extrema direita. Se não estivermos aqui para nos corrigirmos e para garantirmos que respeitamos as bases dos valores europeus então este projecto de « guerra-nunca-mais » vai desfazer-se.
Em maio há eleições europeias. Acha que a campanha vai ser sobretudo um confronto de ideias entre os pro-europeístas e os partidários de valores iliberais ?
Espero que não e, de facto, acho que os cidadãos não querem viver num estado autoritário. Ninguém quer isso. Ninguém quer viver num estado corrupto onde se leva um envelope ao hospital para se ser tratado ou onde se consegue um trabalho através de um familiar. Ninguém quer viver numa sociedade dessas.
A minha questão, aos primeiros-ministros que advogam esse tipo de democracias iliberais – o que quer isso signifique porque não existe a democracia iliberal – e que defendem melhores condições de vida para os seus cidadãos, é esta : silenciar a imprensa tem alguma coisa a ver com as condições de vida das pessoas ?