As pessoas “não têm noção” do risco sísmico e são “pouco exigentes” com o mercado, considera a geóloga Cláudia Pinto, que coordena um projeto da Câmara Municipal de Lisboa sobre segurança do edificado.
Em entrevista à Lusa, a perita – que coordena o programa ReSist, apresentado publicamente em março – identifica “uma grande falta de noção” acerca do real risco sísmico e diz que é preciso contrariar ideias preconcebidas, nomeadamente o custo.
“Toda a gente diz sempre um monte de desculpas. Temos […] de desmistificar. Isto não é nem caro, nem não exequível […]. É exequível e não é assim um custo tão acrescido”, contrapõe.
“Não é assim tão caro e existem inúmeras soluções, algumas até nem implicam desalojar ninguém”, insiste.
Segundo a especialista, “alguns” construtores “sempre tiveram” em conta a segurança dos edifícios, mas também há “outros que, se puderem não fazer, não fazem”.
“Há sempre muito o recurso à frase ‘isso é muito caro, isso é muito difícil, isso não é possível implementar’”, relata, reconhecendo que “quando os produtores exploram diretamente o seu ativo, a preocupação é totalmente diferente do que com um ativo que é só para venda”.
A estrutura - “que, no fundo, é o que mantém os edifícios de pé” - custa apenas 20% de uma obra, contabiliza, sublinhando que se gasta muito mais em “retoques”.
"Vai haver um sismo", só não sabemos quando
De acordo com Cláudia Pinto, fazer reforço sísmico custa 5% desses 20% e, por isso, “é ridículo” alegar o custo para não o fazer.
A isto soma-se a “questão comportamental”, que leva as pessoas a acharem que o terramoto de 1755 “é um acontecimento lá atrás”, que não se repetirá.
“A cidade de Lisboa tem um contexto de proximidade de falhas ativas. Vai haver um sismo, não sabemos quando, mas vai haver. O mais certo é haver do que não haver. Então vamos preparar-nos o melhor possível”, alerta.
A geóloga indica que 60% do edificado da cidade foi construído antes de 1958, quando não havia qualquer regulamentação antissísmica: “É muito. E existirá isto em várias outras zonas do país que têm centros históricos, como tem Lisboa. Isto é um problema muito chato, a que se dá pouca importância, mas é preciso começar a vencer esta inércia.”
Porém, essa hipótese “não é uma preocupação, nem tão pouco as pessoas têm noção do risco a que se encontram expostas”, lamenta a especialista.
“Vemos edifícios a serem vendidos em determinadas zonas da cidade em que o preço de construção é um exagero e as pessoas compram. Será que verificaram se esses edifícios foram todos remodelados [de acordo com as condições de segurança estruturais]?”, interpela.
É necessário, acrescenta, que as pessoas sejam exigentes com o mercado, em relação aos edifícios que compram e às suas condições de segurança, até porque este é um grande investimento, muitas vezes de uma vida inteira.
“E depois também não queremos precaver-nos. Por exemplo, ninguém faz seguro de risco sísmico […]. Eu sei que a probabilidade é mínima, mas o impacto é enorme e as pessoas não fazem”, aponta, sublinhando que já perguntou a seguradores e isso acresceria apenas "30 euros por ano”.
Ao mesmo tempo, muitas vezes os projetistas “têm dificuldade em fazer o que queriam fazer tecnicamente, porque os donos de obra não querem pagar o acréscimo”, menciona. “Mas se as pessoas o exigirem… Então, sejamos exigentes com o que estamos a comprar”, apela.
“Ficha de resiliência” dos edifícios em Lisboa
A Câmara de Lisboa vai disponibilizar, “muito em breve”, uma “ficha de resiliência” com informação à população sobre os edifícios, adianta a geóloga Cláudia Pinto, indicando que os primeiros resultados do estudo de avaliação sobre a resistência sísmica dos edifícios pedido ao Instituto Superior Técnico são esperados no primeiro trimestre do próximo ano.
No mesmo sentido, a Câmara Municipal de Lisboa já havia anunciado a criação da aplicação AGEO - Plataforma Atlântica para a Gestão do Risco Geológico, através da qual as pessoas vão poder reportar situações de risco que se localizem nas imediações da zona onde residem, estudam ou trabalham.
Mais do que os riscos geológicos “mais conhecidos”, como sismos, tsunamis ou deslizamentos de terra, a autarquia pretende envolver a população na deteção dos riscos típicos do contexto urbano, que resultam, por exemplo, da construção de casas ou de túneis.
“Tudo isso descomprime o solo e às vezes tem efeitos à superfície”, visíveis, por exemplo, nos “muitos edifícios com fissuras” ou “abatimentos no pavimento”, refere a geóloga.
A cidade de Lisboa “é muito vulnerável”, com exceção das zonas onde existem formações rochosas (calcário, basalto), descreve, acrescentando a agravante de ter sido “muito explorada para recursos não-minerais”, com “uma cartografia com imensos areeiros e pedreiras”, aterros e “aluviões por todo o lado”.
A aplicação – que já se encontra disponível, mas ainda está em período de testes e só será divulgada de forma mais massificada a partir de janeiro – visa motivar a população para o alerta, para “não se andar sempre atrás do prejuízo”, assume Cláudia Pinto.
“Normalmente, só se reage quando acontece, de facto, algum acidente e a nossa ideia é dotar o cidadão de ferramentas que nos possam ajudar a monitorizar situações e a atuar proativamente”, justifica.
Pretende-se, assim, monitorizar situações a uma escala maior, para antecipar problemas: “Queremos uma cidade resistente e segura e isso exige o esforço de vários setores”, sublinha.