A cimeira sobre o clima, que chegou finalmente ao fim este domingo, 30 horas depois do que era suposto, “não foi um fracasso completo”, diz o ambientalista Francisco Ferreira, da organização Zero, mas ficou aquém do que esperado.
O ativista português, que esteve presente em Madrid a acompanhar os trabalhos, reconhece que “mais vale não haver acordo do que um mau acordo sobre mercados de carbono” e prevê uma pressão ainda maior da sociedade civil sobre os políticos no próximo ano, em Glasgow, para o COP 26.
Face aos apelos da sociedade civil, a COP25 revelou fraca ambição na declaração "Hora de Agir" e não conseguiu mesmo um entendimento sobre mercados de carbono no âmbito do artigo 6 do Acordo de Paris. Não foi um fracasso?
Não se pode dizer que a Cimeira do Clima tenha sido um fracasso completo. Mais vale ter um acordo do que dar razão a muitos países que não gostariam que aqui houvesse qualquer decisão relacionada com a crise climática. Sem dúvida que fica uma diferença muito grande entre os anseios das populações e aquilo que os países precisam de decidir.
O mercado de carbono permanece como último aspeto a regulamentar no Acordo de Paris. Não teria sido preferível ter um acordo mínimo de sobre o chamado Artigo 6.º? Este desacordo não vai abrir a porta a mercados de carbono não-multilaterais?
Mais vale não ter um acordo do que um mau acordo. Estava em causa a integridade dos sistemas e a redução de emissões. Foi pena o desperdício de tempo, mas dá também uma margem de manobra útil para os próximos meses. Há sem dúvida aspetos em que deveríamos ter ido bem mais longe em termos de ambição e ação climáticas. Na cimeira de Glasgow no próximo ano será muito complicado ter a adesão de alguns dos países renitentes em compromissos. É triste ver que não se conseguiu chegar a um consenso ao fim de muitas horas ao longo de 15 dias. Mas por outro lado mais vale ficar assim do que pôr em causa um mecanismo que iria contra a integridade ambiental. Iríamos ter reduções de emissões absolutamente fictícias, o que para nós é completamente inaceitável.
Como comenta a posição portuguesa na COP 25? Não existe contradição entre a ausência do Ministro do Ambiente nas horas mais decisivas de negociação e o protagonismo que Portugal diz assumir nestes processos, em especial na ambição da neutralidade carbónica?
Gostaríamos de ter uma maior adesão na componente do financiamento internacional. Achamos que esta componente é essencial em termos do Fundo Verde para o Clima. As posições de Portugal são tomadas no quadro da União Europeia. Teria sido realmente importante a participação ao nível político nestes últimos dias do Ministro do Ambiente ou de um Secretário de Estado, sem desvalorizar a grande valia técnica dos negociadores da Agência Portuguesa do Ambiente e de outras vertentes dentro do Governo.
A sociedade civil e as organizações não-governamentais vão endurecer os protestos face a estes resultados? 2020 será um ano mais tenso ainda?
Sem dúvida que 2020 vai ser um ano ainda mais tenso na mobilização pública. Em Glasgow vamos ter que rever as metas do acordo de Paris. E estando tudo em aberto sem dúvida que a sociedade civil vai fazer uma mobilização mais forte.
Em termos financeiros, conseguiu-se ainda assim algum contributo importante no domínio da adaptação e compensação para países mais vulneráveis?
Um aspeto crucial desse chamado "Mecanismo de Varsóvia" é o financiamento e esse também ficou para se ir decidindo. Temos mais um grupo, o chamado Grupo de Santiago, que vai trabalhar na matéria. Mas continuamos sem ver dinheiro para os países vulneráveis e catástrofes climáticas.