O presidente do Turismo de Portugal (TP), Luís Araújo, considera que mais do que ser pública ou privada, o importante é que a TAP continue a voar e a cumprir o seu papel, que é o de trazer turistas para Portugal. Quase um terço chega através da companhia aérea nacional.
Em entrevista à Renascença, Luís Araújo sublinha, contudo, que o TP trabalha com todas as companhias que tenham capacidade de fazer voos e ligações aos mercados que mais interessam ao país.
A poucas horas da abertura da BTL - Bolsa de Turismo de Lisboa, que promete ser a maior de sempre, Luís Araújo realça a capacidade que o setor tem para se reinventar e retomar a atividade.
Depois da pandemia, vive-se um cenário de guerra, mas o responsável do Turismo de Portugal diz que é preciso esperar para ver como é que o conflito vai atingir o mercado nacional. A Rússia e a Ucrânia ainda não eram significativos para a receita turística portuguesa, mas é preciso ter atenção aos mercados à volta, nomeadamente Polónia e República Checa.
Entretanto, o TP já aposta noutros mercados e ofertas turísticas de valor acrescentado, como o Turismo Literário, de Natureza ou o Enoturismo.
Estamos a poucas horas da abertura da BTL e a organização diz que será a maior de sempre. Há uma vontade expressa pela generalidade dos agentes do turismo de retomar a atividade em força e rapidamente depois da pandemia. Os últimos dados do INE sobre a atividade turística também já revelam alguma recuperação. Apesar de tudo o que está a acontecer com a guerra, ainda é possível dar o passo decisivo para a retoma do turismo em 2022?
Tem de ser. Aliás, esta atividade que foi tão impactada durante estes dois anos tem demonstrado exatamente isso: a capacidade de se reinventar e de retomar a atividade. Estamos a ver indicadores muito positivos, não só de procura, mas de conetividade aérea, e a BTL deste ano é precisamente um ponto de encontro (e temos um programa de "hosted buyers" precisamente para isso), mas também para mostrar o que temos de novo, com a inovação do sector, a segmentação da oferta, a aposta na sustentabilidade. Diria que é um bom momento e de confiança no futuro.
Mas como é que os “estilhaços” desta guerra vão atingir o turismo nacional?
Ainda é cedo para dizer. Obviamente, do ponto de vista de estilhaço direto, o mercado russo, ucraniano e bielorusso representa 0,2% do total da receita do setor. Estamos a falar de cerca de 200 milhões de euros em 2019 e o total das receitas foi de 18 mil milhões de euros. Não é um impacto grande, neste sentido. Agora, obviamente, temos que considerar os mercados que estão à volta, nomeadamente Polónia e República Checa, que têm alguma expressão para Portugal e principalmente o impacto na confiança do consumidor. Os indicadores que temos ainda são positivos, mas tudo depende de quanto tempo é que esta guerra vai demorar, qual é o efeito nas operações, a nível de custos dos materiais, do combustível, por aí fora. Mas ainda é cedo para responder a isso.
Aliás, a subida de preços no setor é inevitável, a começar pelos combustíveis, que têm um impacto tão grande em diversas áreas, nomeadamente nos transportes...
Acho que temos de ver e ir avaliando, caso a caso. Tudo depende do tempo que demorar a guerra. O espaço aéreo russo está fechado. Portanto, por exemplo, uma viagem Paris-Pequim demora mais 5-6 horas. Sabemos que existem limitações e condicionalismos. O que temos de fazer é ir aproveitando ou, pelo menos, olhar para o que são os nossos mercados, as nossas ligações, os nossos consumidores e ver de que forma é que os podemos continuar a estimular. O que temos feito nos últimos anos é precisamente isso: mostrar que a experiência de uma viagem a Portugal é completamente diferente e continuar a ajustar aquilo que for preciso.
Que trunfos especiais é que Portugal terá que usar agora para captar os turistas e especialmente os que originam maior receita turística? E que novos mercados é que o Turismo de Portugal está a trabalhar para atingir esse objetivo? O mercado russo, por exemplo, ainda não era significativo, mas estava a crescer...
Os russos não representam uma fatia expressiva das nossas receitas. O que temos feito nos últimos anos é uma diversificação dos mercados. E isso tem muito a ver com as ligações aéreas: quando temos mais de 70% dos nossos turistas de mercados estrangeiros e 90% deles chegam através de ligações aéreas, é obviamente importante estimular estas ligações.
Estes dois últimos anos permitiram-nos, não só reforçar alguns destinos, como atrair companhias que nem sequer olhavam ou olhavam de maneira diferente para Portugal. Estou a falar da Ryanair para a Madeira, da Easyjet, com o reforço que teve no Porto, da British e da Lufthansa para os Açores, da Iberia, que, pela primeira vez, o ano passado, teve os cinco aeroportos nacionais ligados com Espanha. E, pela primeira vez, incluiu também Lisboa e o Porto no seu programa de "stopover". Portanto, conectividade aérea.
A segunda questão tem a ver com a maneira como nós impactamos os segmentos mais altos de cada um destes mercados. Isso faz-se através da mensagem que transmitimos. Por isso, esta aposta na sustentabilidade, a nível de comunicação, mas também, muito, a nível de segmentação da oferta e da procura. Daí, a aposta no Enoturismo, no Turismo literário, no Turismo Industrial, na Arte Contemporânea, na Arquitetura, para atingirmos segmentos mais elevados, que gastam mais, que ficam mais tempo no nosso território e que têm uma curiosidade que os leva a percorrer o território como um todo. É um caminho que tem mostrado bons resultados, temos conseguido atingir os nossos objetivos anos após ano e estamos a conseguir crescer mais em receita do que no número de turistas. Isso é que é importante.
E em relação a mercados em que será necessário focar-se especialmente para atingir esse objetivo?
Os nossos mercados estão muito bem definidos. Aliás, nos próximos dias vamos ter reuniões com estes "hosted buyers" de cerca de 20 países. Os mercados de proximidade, seja geográfica, seja de conhecimento (Espanha, Reino Unido, França e Alemanha, os mais expressivos para Portugal); mercados que têm demonstrado um crescimento muito grande, como os Estados Unidos, Brasil, Canadá, China, India, mas, obviamente, ainda muito condicionados pelas questões Covid; e depois, mercados de aposta em que estamos a trabalhar bastante, como os mercados asiáticos (Japão ou Coreia do Sul).
É com esta aposta nos vários mercados, com uma estratégia de muita flexibilidade e muito segmentada que nós vamos ter os resultados que queremos este ano e no próximo, que é quando queremos retomar os números de 2019, o melhor ano de sempre para o turismo português.
E em relação ao turismo nacional? Durante a pandemia, foi o grande salvador do setor. Houve grandes campanhas de incentivo a que os portugueses conhecessem o país e as seus potencialidades. Essas campanhas de incentivo ao turismo interno vão continuar?
Vão continuar, da mesma maneira que vai continuar esta redescoberta por parte do mercado nacional, das várias regiões do país. Temos que agradecer muito ao mercado nacional a aposta que fez no turismo interno nos anos de 2020 e 2021. Acho hoje o mercado está preparado e muito mais disponível para mostrar aquilo que Portugal tem também para os portugueses e existe uma curiosidade muito maior. Acho que todos nós descobrimos ou redescobrimos um Portugal diferente ao longo destes dois anos, familiarmente ou em trabalho. Enfim... Houve uma redescoberta do nosso mercado e acho que essa é uma aposta para continuar, extremamente positiva. É um mercado que temos vindo a saber fidelizar nos últimos dois anos e tenho a certeza que terá uma resposta muito positiva neste ano de 2022.
Como referiu há pouco, a maior parte dos turistas chega a lisboa por via aérea e, entre estes, a parte mais significativa vai para Lisboa. A questão do aeroporto continua por resolver e a TAP está também numa situação delicada. O que lhe pergunto é se, na sua opinião, para o turismo português, é preferível ter uma TAP maioritariamente pública ou que seja privatizada?
A melhor solução é ter uma TAP que voe e que continue a fazer o seu papel - muito bem, até hoje -, que é o de continuar a trazer turistas para Portugal. 30% dos turistas chegam a Portugal através da TAP e é uma importante quota de mercado para o nosso país. Isso, sim, é importante.
Agora, trabalhamos com todas as companhias aéreas, já dei aqui alguns exemplos. E, para nós, o importante é que as companhias tenham a capacidade de colocar voos e ligações de diferentes mercados. Obviamente, de mercados que interessam ao nosso país, que sejam emissores para o nosso país e não o contrário. E que tenhamos, em conjunto com as companhias, essa capacidade de cativar as pessoas para apanhar esses voos para os cinco aeroportos internacionais que temos. Isso, para nós é que é essencial. Temos trabalhado com a TAP, como trabalhamos com todas as companhias aéreas.
E quanto a novas rotas?
Não negociamos rotas. O que fazemos é trabalhar em conjunto, a nível de campanhas, de estatísticas, conhecimento dos mercados. Temos 24 delegações no exterior que trabalham muito próximo das companhias aéreas em cada um destes mercados precisamente para avaliar quais são as oportunidades, quais as mais-valias para mercados, o balanço a nível de companhias que já trabalham para aqueles mercados e apostar nos que são mais interessantes. O importante é diversificar destinos, rotas. Essa é a nossa grande preocupação e é nessa diversificação que estamos a trabalhar com muito êxito (diga-se de passagem), nos últimos anos.
Qual é a importância das companhias "low-cost" para o turismo português? Há cada vez mais...
As companhias "low-cost" têm um papel importantíssimo para todos os aeroportos e é importante reconhecemos isso. Esta diversificação de companhias aéreas é importante. Acho que todos percebemos que não podemos ficar dependentes só de uma companhia, seja "low-cost" ou de carreira regular.
E as companhias "low-cost" têm reforçado a sua aposta no nosso país: a Ryanair com a Madeira, já no próximo mês, e a Easyjet com o reforço que temos visto em várias bases, nomeadamente Algarve e Porto, são importantíssimas. Acreditamos que é nesta diversificação de carreiras, companhias e mercados que conseguimos atrair turistas de maior valor acrescentado e conseguimos jogar em vários tabuleiros na captação de mercados e turistas.
Ainda assim, o CEO da Ryanair não hesitou em pressionar o governo português e acabou por cancelar 19 rotas que tinha para o aeroporto de Lisboa. E se cancelar mais?
A Ryanair é uma companhia importantíssima para o nosso país. E, obviamente, não vou entrar na polémica sobre porque é que cancelou ou deixou de cancelar.
O que para nós é importante é que estas variações também são compensadas. A própria Ryanair anunciou agora ligações de Faro para Madrid e Valência; do Porto para França, dos Açores para a Alemanha, já para este verão. Portanto, são flutuações habituais e o que temos que fazer é ir acompanhando as companhias neste crescimento para o nosso destino. Temos feito isso com a Ryanair, com a Easyjet, com a TAP, com todas as companhias aéreas.
Já agora, em relação aos cruzeiros. Por exemplo, em Lisboa, já se vão vendo navios atracados quase todos os dias, mas, tanto quanto sei, continuam apenas a fazer passagem. As viagens não começam ou terminam aqui, o que seria ideal para a hotelaria de Lisboa e a economia em geral. Quando é que possível que isso aconteça?
O que temos feito do ponto de vista da visibilidade, da captação de rotas para mercados que são mais utilizadores deste tipo de experiência - os cruzeiros - como as ligações com os Estados Unidos e o Canadá, vai nesse sentido. Obviamente, não se consegue de um dia para o outro.
Sabemos e concordamos que as operações de base de cruzeiros nas cidades e nos nossos portos são importantíssimas para esta sustentabilidade dos cruzeiros e é nisso que estamos a trabalhar. Mas isto envolve desde ligações aéreas, estímulo aos consumidores finais e principalmente - mais do que nunca - a confiança no fator segurança: que é seguro viajar e que Portugal é um destino seguro. Temos trabalhado ativamente para reforçar esta imagem. Mas só com esta conjugação de fatores é que conseguimos obter os resultados que queremos.
E o Turismo de Negócios e grandes eventos? Acha que ainda poderão voltar a Portugal este ano? O TP tem feito "démarches" nesse sentido?
Temos acompanhado muito de perto a componente do Turismo de Negócios e de eventos para Portugal. Foi o grande impulsionador do turismo nas grandes cidades, principalmente Lisboa e Porto, mas também outras, como Coimbra, Braga, Algarve e ilhas.
É um segmento importantíssimo da nossa procura, merece todo a nossa atenção e tem merecido muito trabalho do Turismo de Portugal. Quando lançámos o Portugal Events foi precisamente nessa linha, temos trabalhado com os vários mercados e com as nossas delegações no estímulo a esta retoma por parte do Turismo de Negócios. Sabemos que ainda há alguns condicionalismos que, esperamos, venham a ser dirimidos muito em breve. Acreditamos que aquilo que temos de fazer é compensar a falta de alguns segmentos com outros.
Por exemplo…
Por exemplo, o Turismo de Natureza, o Turismo Literário, maior foco no Turismo de Lazer, o Turismo de Negócios associado a estadias muito mais longas, os nómadas digitais. Muito com base naquilo que vemos em relação à nossa procura e do que são as intenções de viagem dos diversos mercados, temos de estar atentos e aproveitar as oportunidades no momento em que elas aparecem.
Um problema de que todos os empresários do setor se queixam é da falta de mão-de-obra. Defendem que o governo deve facilitar a vinda de imigrantes, especialmente de África e da Ásia. Agora estamos a receber refugiados da Ucrânia e chovem as ofertas de emprego. Há 40-50 mil vagas no setor. Pergunto se é uma boa solução para o imediato ou se será mesmo preciso recorrer à imigração, de forma mais regular?
A imigração é importante, mas não é a única solução. A questão dos recursos humanos é, de facto, importante. Perdemos cerca de 70-80 mil colaboradores no setor, precisamos 40-50 mil para voltarmos ao que tínhamos em 2019.
Há três componentes que são essenciais: uma é a migração porque estamos demograficamente a envelhecer e precisamos de pessoas mais novas. A migração é uma solução. Muito recentemente, foram celebrados protocolos entre Portugal e a India para simplificar e acelerar a atribuição de vistos, com os países da CPLP, a componente - agora - da Ucrânia. Uma situação dramática, mas que também vai contribuir para esta demografia.
Mas há outros dois fatores que são tanto ou mais importantes que a migração. O primeiro tem a ver com a formação dos recursos humanos. Temos que perceber que os recursos humanos do setor ainda precisam de qualificação. Em 2017, quando lançámos a estratégia tínhamos 60% dos RH´s com o ensino básico. Daí a aposta do Turismo de Portugal na Academia Digital que já deu formação a mais de 120 mil pessoas; atualmente, a formação com os municípios para capacitar 75 mil profissionais do setor em três anos. E quando falamos de formação, é para os empresários e pessoas que trabalham no setor. O trabalho das escolas do Turismo de Portugal é fundamental.
O terceiro fator tem a ver com a atratividade do setor. Temos que saber valorizar as pessoas a nível salarial, de planos de carreira, de termos uma resposta do ponto de vista laboral de atividade para aquelas pessoas e não, para um grupo coletivo de pessoas. Portanto, é uma questão de atrair os melhores e fidelizá-los às empresas.
As perspetivas de quem vem para o setor são muito diferentes de pessoa para pessoa e de geração para geração. E temos que ter consciência disso. Acho que temos feito uma evolução enorme a nível empresarial no que é o tratamento e fidelização aos colaboradores dentro da empresa. Sentimos isso. Aliás, a taxa de empregabilidade dos alunos das nossas escolas do Turismo de Portugal é mais de 96%. É sintomático da parte das empresas o interesse em ter contratados que sejam qualificados. Mas é um trabalho que se faz em conjunto e foi por isso que criámos recentemente a Comissão Nacional de Formação para o Turismo, para trazermos os melhores para o turismo, venham eles de onde vierem.
Se trabalharmos nessas três áreas, estamos a criar uma estratégia clara de captação e fidelização dessas pessoas para o setor do turismo.
Uma última questão: acha que será necessário adotar medidas excecionais para o setor, como aconteceu durante a pandemia, para ajudar os diversos agentes do setor para fazer face a esta nova crise provocada pela guerra?
Ainda ontem foram anunciadas algumas medidas pelo ministro da economia. Acho que tem havido sempre a capacidade de perceber qual é a ajuda possível ou necessária e dar uma resposta. Só assim se conseguiram dar 2,7 mil milhões de euros no setor do turismo ao longo destes dois anos.