Coincidindo com o Dia Internacional dos Direitos Humanos, acaba de entrar em vigor na União Europeia (UE) um regime global de reforço de sanções contra violações grosseiras aos direitos humanos, incluindo torturas e detenções arbitrárias. As sanções podem ser aplicadas a pessoas ou entidades que cometam ou sejam cúmplices destas violações.
Entrevistado pela Renascença neste dia simbólico da luta pelos Direitos Humanos, Pedro Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional, reconhece que Portugal não fica bem na fotografia europeia, "apesar de este não ser caso único".
O ativista denuncia a hipocrisia europeia em relação à aplicação de sanções. Sobre o caso do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk, que morreu à guarda do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), no aeroporto de Lisboa, diz que demissões não chegam para resolver um problema, nem "botões de pânico" para imigrantes.
Se não resolver este caso internamente, Portugal não fica fragilizado para estar com credibilidade neste tema ao leme durante seis meses?
A saída das pessoas não resolve só por si os problemas. O que resolve é a ação das pessoas e não a demissão das pessoas. Não apelamos à demissão de ninguém, nem é esse o nosso papel ou o papel da generalidade das organizações da sociedade civil. O que nós temos apelado é que os problemas sejam resolvidos. Há aqui responsabilidades a vários níveis, seja criminal, mas também política e ética.
A responsabilidade criminal tem que ser apurada pela justiça e pelos órgãos competentes, pelo Ministério Público, pelos tribunais. Esse trabalho está em curso e o julgamento já está agendado. Depois há aqui uma responsabilidade política e de trabalho da administração pública para resolver e prevenir que este tipo de tragédias e de abusos de direitos humanos possa vir a acontecer. A saída da diretora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não resolve por si só. A saída do ministro da Administração Interna também não resolveria, por si só, este problema. O que o resolve é ação e não reação.
O que temos visto e tem sido paradigma é muita reação e pouca ação. Estes episódios de uso excessivo da força, de tortura, de violência, acontecem frequentemente em Portugal por várias entidades das forças de segurança e de autoridade, seja SEF, PSP ou até ligada ao Ministério da Justiça. O Corpo de Intervenção nas prisões (GISP) é um mundo ainda mais fechado e é difícil de perceber o que acontece nestas intervenções musculadas deste corpo de intervenção especial. E, portanto, há aqui sempre ação por reação. Quando acontece alguma coisa - e se isso vem a ser mediatizado - então há ações e declarações e é o que tem acontecido, infelizmente, por vezes é até para relativizar os acontecimentos, outras vezes para declara que se vai reagir e que tudo se fará. Mas depois em concreto é muito pouco o que acontece.
É um pouco como dizer que se vai fazer para acalmar a energia mediática e os acontecimentos da espuma dos dias, mas que desparecem depressa, caem no esquecimento e nada se faz. Por isso, frequentemente voltamos a ouvir este tipo de episódios e de acontecimentos, porque as coisas não se resolvem estruturalmente e de raiz.
Qual é a real gravidade de um caso destes? É um caso verdadeiramente isolado ou no espaço da UE há casos semelhantes?
Os episódios de uso excessivo da força e de tortura por parte das autoridades têm sido frequentes em vários paiões da União Europeia e Portugal é um deles. A real gravidade deste caos é a tragédia em que ele desemboca. É a morte de um cidadão às mãos do Estado. Isso é muito grave.
No que toca às forças de autoridade que dependem do MAI e às prisões, vão acontecendo esses episódios. A falta de ação para prevenir e resolver os problemas é muito grave. Várias organizações da sociedade civil, como a Amnistia Internacional e a própria provedora de Justiça, em Portugal e noutros países, têm alertado para o que está a acontecer.
Nesta questão do aeroporto, eram conhecidos os problemas que lá existiam. Há mais de um ano foi notícia o facto de estarem detidas crianças naquele espaço do aeroporto, juntamente com os seus familiares. O que se foi fazendo foi por reação, bastante tarde. Medidas paliativas resolvem pormenores e ajudam, mas não são suficientes como as obras, o regulamento ou o polémico botão de pânico. Nada disso resolve estruturalmente os problemas que estão a acontecer, muito menos a demissão de pessoas por si só.
Neste Dia do Direitos Humanos, a UE aumenta a carga de sanções. Os abusadores dos diretos humanos podem ficar com bens congelados ou proibidos de entrar em determinados espaços. A questão é que num Estado-membro que vai ser sede da Presidência da EU aconteceu, exatamente, aquilo que a União quer penalizar ainda mais.
Este regime de sanções é bem-vindo. É o início de um caminho que pode ter muitos frutos. Se ligarmos os Direitos Humanos aos negócios internacionais em vez de irmos às condições vantajosas e às baixas taxas ou preços para comprar têxteis na China ou noutros países com mão de obra quase escrava, claro que os produtos são muito mais baratos do que se forem produzidos em Portugal em que há um salário mínimo e condições mínimas de trabalho.
Introduzir essas sanções é um início de um caminho muito bom. A União Europeia e os países da União Europeia têm sido hipócritas neste aspeto. Têm pago a países terceiros fora da UE para manterem pessoas, refugiados e migrantes lá. É o caso da Turquia ou o caso tão mais grave ainda da Líbia, que sabemos que tortura, escraviza e viola mulheres e crianças.
A UE tem pago a esses países para servirem de tampão para estes migrantes que procuram um melhor lugar para viver e reconstruir a sua vida, fugindo da guerra e das condições de miséria económica.
A posição de Portugal na presidência da União Europeia no próximo semestre devia estar posta em causa na sua eficácia por causa destes incidentes, mas infelizmente não é o único país a falhar. São demasiados os países a falhar. A própria Polónia e a Hungria são exemplos de abusos de direitos humanos e estão a condicionar fortemente os planos de solidariedade da UE para a retoma económica.
Que prioridades deviam ser centrais para Portugal na sua presidência?
Em primeiro lugar, sobre os direitos humanos, dar corpo a esta questão do plano de sanções e que ele seja mesmo eficaz. Há um outro nível que é a venda de armamento. Há países europeus a fornecer armamento à Arábia Saudita, que depois vai ser utilizado em crimes de guerra para atingir civis no Iémen. O direito internacional proíbe a venda de armamento quando há suspeitas de que é utilizado para crimes de guerra. Há países na Europa que têm lucrado com a venda de armamento para estas situações. Isto também tem que parar.
Há aqui outras prioridades, como o acesso à saúde, com uma vacina que seja acessível no contexto da pandemia, não apenas para os países mais ricos que neste momento têm 18% da população e que estão a reservar a grande maioria das doses disponíveis de vacinas, mas também para outros países mais pobres com a maioria da população, que, não tendo condições para comprar vacinas, podem ver posto em causa a imunidade da humanidade. E a pandemia só se resolve se todas as pessoas tiverem acesso às vacinas, pois o vírus não conhece fronteiras.
A questão dos oceanos será muito trabalhada pelo Governo português. Vão querer dar muita importância a esse tema. Espero que o façam também na perspetiva da justiça climática. Sem ela não teremos justiça social. Os oceanos, bem como o resto do planeta, são a única fonte de recursos naturais que a Humanidade necessita para ver os seus direitos humanos e económicos e culturais cumpridos. Temos que trazer a justiça climática para a ordem do dia e reforçar as metas do Acordo de Paris. Ter metas ambiciosas e medidas que sejam levadas a efeito são os compromissos que devem acontecer neste âmbito da presidência portuguesa.