O Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a ser abalado por uma “tempestade perfeita” que o pode tornar um serviço para pobres, alerta Adalberto Campos Fernandes. Em declarações à Renascença, o antigo ministro da Saúde diz que está nas mãos do problema do Governo e da Assembleia da República inverter esta tendência.
A ministra da Saúde reúne-se esta segunda-feira, de emergência, com as administrações regionais de saúde e a Ordem dos Médicos. Marta Temido tenta encontrar soluções para os problemas que levaram ao encerramento de várias urgências, sobretudo de obstetrícia, um pouco por todo o país.
Um problema que, na opinião de Adalberto Campos Fernandes, é estrutural. Para o antigo ministro da Saúde de um Governo socialista, este é um assunto demasiado sério para ser unicamente da responsabilidade da atual ministra ou do atual Governo.
Adalberto Campos Fernandes diz que a responsabilidade é de todos os políticos - só assim se encontrará uma solução.
“Este não é o problema do ministro da Saúde que está de serviço. Claro que é problema do ministro da Saúde que está de serviço, porque tem responsabilidade política no momento, mas é um problema do Governo e da Assembleia da República”, argumenta.
“O Serviço Nacional de Saúde é um assunto demasiado sério para que nós o procuremos resolver anunciando mais um concurso, que os concursos não sejam preenchidos porque as pessoas não têm motivação para o fazer e que não olhemos para a questão do projeto profissional e para as condições do exercício profissional dentro do sistema e do serviço público como tem de ser olhado”, defende Adalberto Campos Fernandes.
“Não há sem o envolvimento integral, político, de todo o Governo e da Assembleia da República e sem que se assuma claramente que este é um problema que põe em causa a sobrevivência do Serviço Nacional de Saúde como nós o desenhámos e queremos que ele exista, é estar a fazer mais do mesmo e vamos andar nisto mais um, dois, três ou quatro anos”. adverte.
Adalberto Campos Fernandes defende a aposta na valorização da carreira médica e na criação de condições para os profissionais poderem trabalhar no SNS, mas a solução não passa apenas por melhores salários.
“O Estado nunca terá condições de ser competitivo em termos salariais com os valores que o setor privado paga. Os médicos têm dito que a revalorização profissional é um imperativo, mas há um projeto de vida que tem que ver com a forma como o trabalho é exercido, como a capacidade de tempo para investigar”, defende o antigo ministro da Saúde.
Os médicos e os profissionais de saúde não podem ser olhados como “adversários ou inimigos” e é preciso tentar compreender os seus anseios e problemas, sublinha.
“A vida num hospital público pressupõe que há trabalho de equipa, que há motivação para ensinar, para investigar, para formar internos e foi isso que foi sempre o cimento da qualidade do SNS e da prática médica em Portugal. Projeto de vida e projeto de carreira que não tem nada a ver com esta ideia peregrina da dedicação exclusiva administrativa, imposta à força. Transitando para cima dos médicos um ónus inaceitável, porque os médicos quando hoje estão a trabalhar no SNS já têm obrigações como qualquer agente público.”
Para Adalberto Campos Fernandes, está criada a tempestade perfeita para tornar o SNS um serviço para pobres.
“O risco pode estar em o SNS se transformar num serviço para pobres, idosos ou imigrantes, e a classe média abandonar o SNS. E, por outro lado, isso se transforme num círculo vicioso, porque a vitalidade do sistema perde-se, os serviços tornam-se muito dependentes das urgências, hoje em dia as urgências consomem e corroem o funcionamento normal do sistema de saúde, o trabalho através das empresas aumentou de forma escalar. Nós temos os ingredientes de uma tempestade perfeita. Vamos a tempo de inverter esta situação? Acredito que sim.”
No entanto, para este especialista, se houver vontade de todos, ainda há tempo para remediar o que está mal.
“Hoje temos um SNS que não é o sonhado por António Arnaut. Hoje temos um sistema de saúde misto, com um peso muito significativo do setor privado e social. Será alguma coisa diferente, mas o SNS tem que ser o padrão, a referência, aquilo onde estão sediadas as melhores práticas, os melhores exemplos, a segurança clínica, a formação dos profissionais e isso só não se faz se não houver vontade política para ser feito”, sublinha Adalberto Campos Fernandes.