A época natalícia (também) é sinónimo de festa à mesa, com doces tradicionais, comida mais calórica e muitos brindes. Altura em que se come e bebe mais, por vezes, mais do que a conta. O presidente da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado, José Presa, diz que não quer estragar nenhuma festa nem que alguém tenha a sua festa estragada com as más disposições, enfartamentos e excesso de bebida. É que há um órgão do nosso corpo – o fígado – que é pouco dado a celebrações deste género e pode manifestar-se desagradavelmente. Especialmente quando os excessos não acontecem só nesta época e se repetem ao longo do ano.
Apesar das dificuldades económicas crescentes, os portugueses gostam de celebrar o Natal com uma mesa mais rica, com pratos e doces tradicionais, de preferência bem regados. A tendência é para se fazer mais comida do que a necessária, comer e beber mais do que o normal.
É uma época especial e é natural que haja abusos, concorda José Presa, presidente da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado. “Nem sempre nem nunca”, frisa o médico de medicina interna, especialista em doenças do fígado. “Se lhe apetecer beber algum álcool num jantar de amigos, se for de vez em quando, tudo bem. Se ao longo do ano tiver tido cuidado, com uma alimentação saudável e com pouco ou nenhum álcool, os abusos da época natalícia não incomodam o fígado”.
O problema, para José Presa, é que as celebrações e os encontros da época natalícia, com almoços, jantares e festas sucessivas, começam cada vez mais cedo. E os excessos, também. Especialmente depois de dois anos sem confraternizações por causa da Covid-19.
O fígado não perdoa o bem que sabe pelo mal que faz e depressa manifesta o seu descontentamento, sobretudo a quem já tem problemas. Por isso, José Presa aconselha ao consumo com moderação, para que a festa não acabe no médico ou no hospital e seja de má recordação.
Fígado gordo, a epidemia silenciosa que afeta um terço dos portugueses
O consumo excessivo de bebidas alcoólicas, gorduras e açúcares é preocupante, diz Jose Presa. O álcool conduz à doença hepática alcoólica, os açucares e as gorduras favorecem o colesterol no sangue e contribuem para o aumento de peso e com isso, para o fígado gordo.
Cerca de um terço dos portugueses tem fígado gordo. “Acredita-se que é uma epidemia silenciosa do século XXI, que está em crescendo, com consequências dramáticas ao nível do fígado. Pode evoluir para uma doença hepática, em muitos casos, terminal, a cirrose hepática; outras pessoas podem desenvolver tumores do fígado ou precisar de transplante. Um problema que não é muito benigno”.
O presidente da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado não tem dúvidas: os portugueses estão a alimentar-se cada vez pior e a crise veio agravar essa tendência. “Teve um impacto dramático na alimentação dos portugueses e tendo em conta a situação económica que se vive, vai agravar-se. Nem todas as ajudas que o Governo possa dar às populações mais vulneráveis vão inverter este declínio qualitativo em que está a alimentação dos portugueses”.
José Presa lembra que a alimentação mediterrânica foi abandonada há muito tempos, nuns casos por ignorância, noutros porque as pessoas não conseguem comprar produtos mais saudáveis (nomeadamente frutas, legumes, gorduras naturais, peixe e carnes brancas) porque são caros.
“Quando vamos ao supermercado, basta estar com atenção ao que as pessoas põem nos carrinhos: gorduras processadas, sumos, comidas pré-cozinhadas, porque são mais baratos. Os produtos saudáveis são caros e isso vai impactar na saúde dos portugueses com consequências dramáticas. Mais pessoas vão ficar doentes, não vão trabalhar, têm ainda menos poder de compra e menos qualidade de vida; por outro lado, a despesa do Estado, aumenta. É mau para todos.
O mesmo acontece em relação ao consumo de bebidas alcoólicas. José Presa cita o último estudo da OCDE (2019) para sublinhar que Portugal ocupa a liderança, com um consumo anual per capita de 12,1 litros. Bem acima da média que ronda os 10 litros.
“Estamos muito mal na fotografia. É muito, especialmente se pensarmos que há muita gente que não bebe; quer dizer que há outras pessoas com consumos muito altos. E estamos a falar só do álcool vendido e sujeito a impostos, sem contar com a produção própria que existe em muitas regiões do país.
Não é para estragar as festas, é para alertar e informar. Cada um toma as suas decisões
Apesar dos esforços que estão a ser feitos, José Presa considera que ainda há um défice significativo em literacia em saúde em Portugal. As campanhas da Associação pretendem, precisamente, reduzir esse défice. “Não diabolizamos o consumo, apenas alertamos para os riscos, damos informação credível. Queremos que a população saiba que o consumo de álcool, gorduras e açucares em excesso são altamente prejudiciais para a saúde. Mas cada um, com a informação disponível, decide”.
Lembra ainda que por vezes, há confusão de conceitos ou informação retirada de fontes que não fidedignas. “Vai-se à internet à procura de conselhos que não são avalizados por ninguém e que podem conduzir a comportamentos desadequados”.
Depois do alerta em plena época de festas, segue-se a iniciativa “31 dias sem álcool”, no âmbito do desafio “janeiro sem álcool”, que ocorre em simultâneo em vários países, desde 2013.
Em Portugal é a segunda vez que vai ser realizada e segundo José Presa, o ano passado teve um impacto muito interessante. “A pouco e pouco as pessoas mostram mais interesse sobre as questões relacionadas com o fígado”.