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Cansados, mas felizes. É assim que estão dois empresários da restauração que por iniciativa própria resolveram abdicar do lucro para ajudarem quem precisa e está a enfrentar dificuldades financeiras em tempo de pandemia.
É o caso de Emanuel Chamusco, proprietário do Caldas Bar nas Caldas da Rainha há 6 anos. No dia em que ouviu um estudante da Escola Superior de Artes e Design das Caldas (ESAD-CR) a perguntar o que poderia “comer com 80 cêntimos?” percebeu que tinha de fazer alguma coisa.
O dono deste estabelecimento que fica em frente à rodoviária das Caldas da Rainha conta à Renascença que esse estudante revelou que tinha outros colegas que também já tinham o pagamento dos quartos em atraso e o dinheiro mal dava para comer. Entre os que entravam pela porta do café, teve quem lhe perguntasse de forma envergonhada: “Posso comer? Pago no final do mês.”
Face a isto, Emanuel Chamusco decidiu oferecer bifanas a quem não tivesse o que comer. No dia em que colocou a informação na página de Facebook do bar, teve “19 mil visualizações”. Este empresário, natural de Óbidos conta que não teve mãos a medir, mas faz questão de sublinhar que também ele foi ajudado ao longo da vida.
“A minha família tinha muitas dificuldades e precisei de muita ajuda de várias pessoas para crescer e construir uma família.” Hoje e depois de passar por um cancro em 2008, Emanuel Chamusco diz que “a vida tem corrido bem”. Por isso, decidiu com a mulher com quem partilha o trabalho no Caldas Bar, “abdicar do lucro e tentar ajudar as pessoas”.
Sem colocar os seus dois colaboradores em lay-off, o dono do Caldas Bar continuou a trabalhar. Começou por servir 20 bifanas no primeiro dia. “Hoje em média são 200 bifanas por dia”, conta este empresário que tomou conta de uma casa muito conhecida nas Caldas, fundada em 1955 e onde a receita das bifanas tem um segredo no mel que leva no molho.
Quem pede ajuda para comer?
Sobre quem procura esta ajuda alimentar diz que são “desempregados”, “agora mais estudantes da ESAD-CR”, mas também funcionários de fábricas que estão paradas. “São pessoas de 40 anos ou mais, como eu”, explica este empresário da restauração que faz questão de sublinhar que “não vê abusos”. “Há pessoas que vão todos os dias” ao seu estabelecimento, refere Emanuel, que sabe que muitas já “têm a eletricidade e água, em atraso”.
Por sua iniciativa, Emanuel começou também a entregar bifanas ao pessoal médico do Hospital das Caldas da Rainha que faz “turnos de 8 a 10 horas”, conta-nos ao telefone. Como viu que além de médicos e enfermeiros da urgência, também a sala de espera estava cheia, passou a levar cerca de 70 bifanas para dar a quem precisa de comer.
Quem também ajuda o pessoal médico, mas do Hospital de Faro, é Sidónio Rodrigues. É um madeirense que há mais de 20 anos está no continente e é proprietário da padaria e pastelaria Trigo Dourado em Faro. À hora de almoço, quando falou com a Renascença estava a fazer mais uma fornada de pão.
“De um dia para o outro, não aproveitávamos o pão e os bolos e dávamos para a igreja, instituições ou para as pessoas darem às galinhas. Depois percebemos que há pessoas com fome aqui ao pé”, conta este empresário que resolveu por ao dispor de quem precisava, o pão que sobrava.
Ri-se ao dizer que “a boa publicidade demora”, mas neste caso, quando colocou na página de Facebook da padaria uma imagem de pão embalado com um papel a dizer “Não precisa pedir! Nós oferecemos. Leve o que precisa”, teve em três horas, mil partilhas.
À sua porta começaram a ir pessoas buscar pão, “desde o mais pobre até à classe média”, relata Sidónio que diz que as pessoas agradecem e levam um saco ou dois. Esta situação já deu mesmo a Sidónio Rodrigues uma ideia: “no futuro vou criar uma secção para venda dos produtos do dia anterior”.
Este empresário que recorda que saiu da Madeira por dificuldades há mais de 20 anos, diz, no entanto, que teve já de por 10 empregados em lay-off. A trabalhar tem 6 pessoas e diz que não tem mãos a medir. Nesta altura, quando vê que falta pão para dar, vai fazer mais uma fornada. Já não oferece apenas as sobras, mas sim, pão e bolos frescos.
“Tenho dormido duas, três horas no máximo. Estou esgotadíssimo, mas contente. É uma felicidade enorme”, confessa este empresário de 45 anos. À ajuda que dá aos vários serviços do Hospital local chama-lhe “miminhos”, e acrescenta que “se todos os empresários fizerem um miminho, vamos receber em dobro.”
Até quando vão poder ajudar os empresários?
Estes dois empresários que não se conhecem, têm a mesma atitude. Não querem donativos em dinheiro. Nas Caldas da Rainha, Emanuel diz que já houve pessoas individuais e empresas a oferecerem carne para as bifanas e conta também que o padeiro que lhe entrega o pão, por vezes, “só cobra metade”. Também o talho que o fornece lhe tem dado uma ajuda.
Também em Faro, na pastelaria Trigo Dourado, Sidónio Rodrigues afirma que não aceita donativos. “Fica para gorjeta dos colaboradores”, o dinheiro que “pessoas do mais alto nível” entregam para comprar farinha para fazer pão.
Questionados sobre até quando aguentarão, ambos não sabem, mas mostram resiliência em não desistir. Emanuel Chamusco, desabafa, no entanto: “Não sei se vou conseguir muito tempo”. Mas este empresário que dispôs de parte do seu lucro para ajudar, lembra que com os donativos em géneros, talvez aguente “um mês e meio ou dois”.
Já em Faro, Sidónio diz que “a empresa está sólida”. Este empresário do Algarve admite estar “disposto a investir capital próprio”. “Este ano não quero perder, nem ganhar. Quero ajudar as pessoas”, conclui o dono da Trigo Dourado.