O diretor da SIC, Ricardo Costa, e a diretora-adjunta da RTP, Adília Godinho, concordaram esta terça-feira - no painel "No need for speed: slow journalism's role in rolling news", moderado pela diretora de informação da Lusa, Luísa Meireles - que o jornalismo precisa do modelo “slow” (lento) e do modelo de informação rápido e em direto.
Mas Ricardo Costa defendeu que o problema atual não passa pela "velocidade”, mas pela distribuição da informação e acusou as plataformas como Google, Meta, TikTok e outros de ficarem com "quase tudo", controlam a distribuição as receitas de publicidade.
“A questão é que viemos de um modelo em que controlávamos a distribuição, as televisões, os jornais, as rádios e o site”, explica, mas “hoje é o Google”. “Produzes, mas não controlas a produção e não tens a receita da publicidade”.
“Decidimos passar para o digital, mas 80% das receitas em todos os países europeus vão para o Google, Facebook, TikTok e esse é o principal problema para o jornalismo”, argumentou, reiterando que "o problema não é a tecnologia, a velocidade, não é a publicidade, mas a distribuição que é controlada por um oligopólio, é uma espécie de igreja universal da tecnologia web”, afirmou.
De acordo com Ricardo Costa, as pessoas querem saber o que está a acontecer no dia e, quando olham para o telemóvel, “querem obter a informação rapidamente”, mas quando têm mais tempo “precisam de ler ou ver algum noutro ritmo”.
"Hoje em dia não há uma opção entre 'slow' ou 'fast journalism", afirmou Ricardo Costa, reiterando que ambos são necessários.
Segundo o diretor, a cobertura rápida, como últimas horas e ‘live blogs’ é necessária para ter audiência, enquanto o “slow journalism” (jornalismo lento, na tradução literal) é fundamental para converter os leitores em subscritores.
O jornalismo lento trata-se de uma abordagem mais lenta na produção de notícias, com mais tempo, privilegiando a qualidade e a diferença em relação à rapidez.
“Num canal de 24 horas não temos jornalismo lento, às vezes há analises e explicação”, porque “não é o local ideal” para este tipo de jornalismo. Contudo, referiu, há espaço para isso, como se vê em alguns trabalhos de investigação transmitidos na televisão.
"A tecnologia deu-nos a oportunidade de ter no mesmo espaço jornalismo lento e últimas horas”, salientou, exemplificando que os "live blogs" são alguns dos artigos mais lidos e que se trata de uma tecnologia muito importante para o jornalismo e que permitem integrar também peças mais longas.
Questionada sobre se o “jornalismo rápido” é mais propenso a espalhar “desinformação”, Adília Godinho refutou prontamente, corrigindo que “o mau jornalismo é mais propenso a espalhar” notícias falsas. E reiterou que “precisamos de ambos” os tipos de jornalismo.
“A RTP tem um canal de notícias de 24 horas e nesse canal também podemos realizar debates e 15 minutos de entrevista e convidados que comentam temas, porque é preciso ter contexto para interpretar a informação, isto também é ‘slow journalism’”, argumentou, defendendo que a informação e o contexto são fundamentais para compreender mais profundamente os temas.
Por isso, explicam, os canais de informação 24 horas também precisam de operar em diferentes velocidades.
Ricardo Costa exemplificou com o caso de jornais mais antigos, como o Le Figaro, que também se adaptaram à tecnologia, uma vez que 80% do consumo atual de informação advém dos telemóveis.
"Sempre que a tecnologia mudou o jornalismo mudou. O jornalismo mudou com o telegrama, rádio, televisão, com a televisão em direto e com a Internet" e isso reflete-se na forma como é feita a cobertura de cenários de guerra.
“Precisamos de manter o ritmo e fazer uma cobertura em direto e ter o ‘slow journalism’”, defendendo que é necessário que haja quem passe uma ou duas semanas a investigar um tema.
"Se olharmos para a guerra atual em Gaza, entre Israel e o Hamas, é completamente diferente a cobertura da última e é completamente diferente da invasão do Afeganistão, do 11 de Setembro ou da segunda guerra do Golfo ou da Somália".
As redes sociais são um problema para o jornalismo?
Questionada sobre se a informação nas redes sociais é prejudicial para a informação, Adília Godinho explicou que no caso da RTP esta é produzida por jornalistas.
“Os telespectadores e os leitores são apresentados como sofrendo de fadiga do utilizador”, afirma, contudo, a diretora adjunta da RTP considera que “não são as notícias que são rápidas, a nossa vida é que é realmente rápida, o mundo”.
Para Adília Godinho, cabe ao leitor escolher o que consome nas redes sociais: “Eu escolho o tipo de jornais que leio. Posso ler o Times, ou posso ler o Daily Mirror, ou posso mesmo ler os dois e fazer a minha avaliação crítica”, argumenta.
A jornalista aponta ainda a falta de investimento como um dos problemas, referindo que um número cada vez menor de jornalistas estão “a produzir a mesma quantidade de informação”.
Jornalistas também vão ver o trabalho ameaçado pela IA?
Horas mais tarde, subiram ao mesmo palco Athan Stephanopoulos (diretor digital da CNN) e Ed Fraser (editor-chefe do Channel 4) para debater os desafios da utilização da Inteligência Artifical no jornalismo.
Os editores afastam a possibilidade de a IA vir a substituir completamente os jornalistas, mas acreditam que pode ajudar a eliminar algumas tarefas “mais repetitivas e mundanas”.
Mas como é a IA pode ajudar no jornalismo? De acordo com os editores, podem realizar a “transcrição de entrevistas”, sugerir um determinado ângulo para uma história ou reportagem ou até a criação de suportes visuais como “infografias ou gráficos”.
"A transcrição de entrevistas, por exemplo, pode realmente libertar muito tempo para fazer coisas mais criativas que permitam uma mudança de tarefas mundanas para um jornalismo mais criativo e com impacto, para contar histórias, para o jornalismo de investigação", afirma.
Um dos exemplos dado por Athan Stephanopoulos, é a utilização da IA para” escrever código para uma ferramenta de mapeamento”, mas refere que, na CNN, não usam a IA para realizar ‘fact checking’.
“Temos de ser um pouco cínicos em relação a sua utilização, não podemos retirar o ser humano desta equação”, afirmou Ethan, salientando que a “moeda” do jornalismo é a confiança.
Esta tecnologia, defende também Ed Fraser, pode ajudar as equipas de investigação, mas que a mão humana, que “consegue assegurar a qualidade do jornalismo”, deve ser preservado.
Considerando a IA como uma ferramenta certa no futuro das redações, Athan Stephanopoulos defende as organizações têm “muita responsabilidade em integrar as ferramentas de IA no jornalismo” e que devem criar procedimentos que estabeleçam em que situações e como podem usar estas ferramentas para melhorar – principalmente no que diz respeito às ferramentas generativas.
Ed Fraser defende que provavelmente será uma situação de “inovar ou morrer”, mas que esta utilização deve ser feita com muita supervisão e dá o exemplo da necessidade da “supervisão humana” para aprovação do conteúdo gerado.
Fraser deu ainda o exemplo das “câmaras de eco”, reiterando da necessidade de ter bastante cuidado devido ao elevado risco de das 'fake news' e 'deep fakes' terem um grande impacto nas próximas eleições.
“Temos eleições nos EUA e Reino Unido, com o risco de surgir informação e contra-informação com IA e ‘deep fakes’. Será preciso que os jornalistas estejam em boa forma para identificar conteúdos falsos e enganadores”, afirmou Ed, relembrando que os jornalistas profissionais estão sob pressão como nunca e que esta é a era mais desafiadora para a profissão.
“O jornalismo profissional vai sobreviver ao teste do tempo, o ChatGPT, os novos modelos”, concluiu Athan, sugerindo que é cada vez mais necessário de que os media e as plataformas tecnológicas conversem e trabalhem lado a lado, não só no combate à desinformação, mas também pelos direitos de ‘copyright’”.