Um possível incidente nuclear na central de Zaporíjia teria efeitos eventualmente limitados, admite o diretor do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico (IST).
Em declarações à Renascença, Bruno Soares Gonçalves explica que, “num primeiro momento, a grande preocupação numa central nuclear é a libertação de iodo 131”, mas, no caso de Zaporíjia, os reatores estão parados há vários meses, pelo que “a quantidade de iodo 131 é residual e já não há o risco de haver uma libertação de iodo que possa acumular-se nas tiroides humanas, provocando, por exemplo, cancro da tiroide”.
De resto, este especialista em Fusão Nuclear afasta um cenário de nuvem radioativa sobre a Europa, em caso de fuga na maior central da Europa.
Nas últimas semanas, Rússia e Ucrânia têm trocado sucessivas acusações de sabotagem tendo em vista um possível evento com fuga de radiação nuclear em Zaporíjia.
De resto, na sua mais recente declaração ao país, o presidente da Ucrânia disse ter em seu poder “informações concretas” que apontam para "algo relacionado com a Rússia”.
“Eles estão tecnicamente prontos para fazer alguma coisa. É muito importante: eles armadilharam alguns locais com minas em Zaporíjia, na central... eles estão tecnicamente prontos”, disse Volodymyr Zelensky.
Esse é, contudo, um cenário que Bruno Soares Gonçalves diz não ser do interesse de nenhuma das partes em conflito, a começar pela Ucrânia: “reconstruir uma central deste tipo com seis reatores, custaria entre 30 mil milhões e 40 mil milhões de euros e isso tem muito valor para a Ucrânia. Numa política de terra queimada, a Rússia poderá optar por causar uma situação que dane definitivamente a central, tal como aconteceu já com a barragem de Kakhovka”.
Por outro lado, em caso de ataque, a Rússia “acabaria por ser o país mais afetado”, em função dos ventos nesta época do ano. “Não necessariamente os países limítrofes da NATO”.
Semelhanças com Fukushima?
Desde a criação da tecnologia nuclear, após a Segunda Guerra Mundial, registaram-se apenas dois incidentes graves com fuga de radiação: Chernobyl, o maior da história (1986) e Fukushima (2011).
Bruno Soares Gonçalves admite que o que possa ocorrer em Zaporíjia só poderá ter comparação com Fukushima e, mesmo assim, com efeitos muito menos devastadores.
Segundo este especialista, o ponto comum seria o derretimento do núcleo “e, com a temperatura, a tendência é que a água se dissocie em hidrogénio e oxigénio.
Em Fukushima, o que aconteceu foi uma acumulação de hidrogénio que explodiu e foi isso que danificou os edifícios de contenção nos reatores. Em Zaporíjia, todos os reatores estão equipados com recombinadores de hidrogénio que aliviam essa pressão. Por isso, nem sequer é expectável que possa acontecer um acidente com as dimensões de Fukushima”.
Aliás, Bruno Soares Gonçalves refere que “o cenário mais provável poderia levar à libertação de alguma radiação, mas muito limitada em torno da central. Mas para que isso aconteça, será preciso um cenário em que são usados propositadamente mísseis de grande dimensão ou eventualmente explosivos dentro do edifício de contenção, com o objetivo de projetar para fora grande parte do edifício, em vez deste ruir sobre si próprio”.
Contudo, este especialista lembra que os edifícios de contenção das centrais nucleares "estão desenhados para suportar o embate de um avião de passageiros de grandes dimensões, completamente carregado de combustível”.
Ou seja, “é mais fácil destruir os sistemas de arrefecimento, inviabilizando definitivamente o uso da central”.
Mas o diretor do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do IST reconhece que, com todos os cenários em cima da mesa, a dimensão de um eventual incidente nuclear em Zaporíjia dependerá sempre dos meios para atingir os fins: “estamos numa situação de guerra e, às vezes, a imaginação dos exércitos para causar danos vai muito além dos cenários habituais”.