Um portão com duas grandes portas verdes na rua da Quinta do Vimieiro, na Charneca do Lumiar, dá acesso a uma propriedade privada onde há dezenas de anos existiam pequenas unidades industriais. Hoje, só uma empresa ocupa um dos armazéns. Logo após os portões, uma rua, a descer, com pequenas casas de ambos os lados.
Só duas delas, ao fundo da rua, estão arrendadas, mas um dos proprietários do espaço e daquelas casas garante que está em curso nos tribunais um pedido para uma ordem de despejo, já que as arrendatárias há muito que terão deixado de pagar a renda.
Na passada semana, ao fim do dia, um dos proprietários, que vive numa vivenda no interior do espaço, encontrou um grupo de pessoas a tentar entrar à força em algumas habitações. E chamou a polícia, que identificou alguns.
Logo a seguir às casas que estão alugadas, lá no fundo, a rua vira á esquerda, aperta à direita e segue, colina abaixo, com mais casas, de ambos os lados. Sabendo da sua existência, houve quem tenha alegadamente contactado o proprietário no sentido de as alugar. Foi o que diz ter feito Nelson Bonfim.
"Sim, já falámos sobre isso com o proprietário. Estamos dispostos a pagar uma renda e seguir em frente. Queremos é paz e um lugar para ficarmos com as nossas famílias."
Só que a necessidade falou mais alto. Mesmo estando a cometer uma ilegalidade, Nelson arregaçou as mangas, limpou o entulho e o lixo que preenchia as casas e passou a viver numa delas.
"Limpámos tudo, fomos comprar material e fizemos a obra", diz, preocupado com o que o futuro lhe reserva.
Depois de Nélson, veio um irmão. Depois, vários primos, alguns com mulheres e filhos recém-nascidos, que foram limpando, uma a uma, as casas onde passaram a viver.
Chamar casas é exagerado: são espaços com cerca de 30 metros quadrados, se tanto, com duas divisões: uma, a de entrada, tem uma chaminé e uma bancada. E desta divisão passa-se para outra, através de uma porta, que será um quarto. As casas de banho estão no exterior. As que estão a funcionar. A maioria destes espaços tem telhado, mas este vê-se do interior, já que os tetos estão destruídos. Mesmo assim, para muitos é uma opção, face ao preço dos alugueres.
"O nosso receio é saber se o senhorio vem demolir as casas e nós deixamos de ter onde viver", explica Nélson Bonfim, sob o olhar atento do irmão e dos primos.
Sentada numa cadeira encostada a uma das paredes exteriores de uma das casas está Lucília Neto. Está em Portugal há quatro meses e desde que chegou que vive numa destas casas. É doente renal e foi essa condição que a obrigou a vir para Portugal, no âmbito dos acordos de saúde que o estado português tem com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.
"Já fiz uma consulta, fiz exames e estou à espera de outra consulta", diz, sublinhando que estar doente e viver nestas condições não era o que esperava
"Preciso de saúde. Por isso estou cá", diz, emocionada, lembrando o dia em que saiu de São Tomé, não sem antes assinar um termo de responsabilidade que "iliba" o estado são-tomense de quaisquer responsabilidades. Sobretudo as previstas nos acordos de saúde com Portugal, que garantem da parte do país de origem o alojamento e a alimentação.
Ontem, o proprietário decidiu chamar a polícia, por violação de propriedade privada. E deu um ultimato a todos os que ocuparam casas ilegalmente: ou saiam ou fazia queixa formal, que dava origem a detenções.
Passaram grande parte da tarde e noite no largo de igreja de São Bartolomeu, na Charneca do Lumiar. Na igreja guardaram os seu pertences e a Segurança Social garantiu-lhes, por uma noite, alojamento de emergência em pensões da cidade. Hoje estão no atendimento social, a tentar encontrar uma solução que lhes dê uma habitação condigna.