A fechar a primeira semana de debates podemos dizer com alguma segurança que ganham saliência alguns salpicos de oratória – o ‘não pode, não’ de Marina Mortágua a Luís Montenegro, a imagem que Rui Rocha deu de André Ventura, como se fosse uma criança à solta num parque infantil a querer andar em todas as diversões ao mesmo tempo, ou a forma como Rui Tavares pegou nessa mesma imagem e devolveu a graça ao líder da Iniciativa Liberal dizendo-lhe que fazia lembrar uma daquelas crianças que só gosta de descer o escorrega e não de o subir.
Vistas assim as coisas, talvez se possa até dizer que a primeira mão cheia de enfrentamentos entre líderes das principais forças políticas do país correu bem; mais animados uns do que outros, mas todos assegurando a necessária manutenção do interesse dos telespectadores e as já comuns replicações de segmentos em ambientes digitais.
Importa, em todo o caso, nem que seja apenas neste momento de arranque (ainda antes de a aceleração nos limitar ainda mais a capacidade de refletir), pensar no formato dos debates e, sobretudo, na forma como condiciona o que é dito e também o que cada um de nós acha razoável deles retirar.
O objeto ‘debate político’ que temos, acordado entre as direções editoriais das principais empresas de média e quem gere as campanhas dos partidos, é um segmento com cerca de meia hora de duração, sendo que cada candidato(a) tem direito a gastar uns 13/14 minutos. A gestão do tempo - que é escasso - faz-se em ritmo acelerado; há uns retângulos no ecrã, em contagem vertiginosamente crescente, e temos, a espaços, intervenções de quem modera com frases do tipo: ‘precisamos de avançar’.
Numa outra dimensão simbolicamente relevante, os debates organizam-se numa lógica de frente-a-frente. É - para relembrar uma imagem de um outro ambiente - um apelo a posturas de ‘mata-mata’, em que se exige a duas pessoas que sejam não apenas convincentes na transmissão das suas propostas, mas que, de caminho, aproveitem para demonstrar superioridade sobre quem está à sua frente. A assegurar que nenhum dos presentes foge a esta formatação, temos comentários pré-debates, comentários durante os debates e comentários logo a seguir aos debates, nalgumas circunstâncias envolvendo até pontuações. E, algum tempo depois, temos ainda espaços de verificação de factos a dizer-nos o que era ou não verdade naquela vertigem discursiva e emocional.
Mais do que discutir se isto está certo ou errado – estará algures num espaço intermédio, creio – é relevante termos consciência de que o formato influencia a mensagem (como dizia, há já muitos anos, McLuhan) e de que o que temos está tão próximo do território jornalístico como estará do território do entretenimento (conseguir ser o(a) último(a) a falar é percebido quase como um prémio). Se, por um lado, a proximidade do ritmo, dos contadores de tempo e da tensão permanente a um concurso de talentos nos pode trazer o conforto da familiaridade, por outro, precisamos de ter consciência de que nem sempre a pessoa mais competente a dominar o formato será a que tem propostas mais bem fundamentadas. Num enquadramento assim ganha sempre o choque, a comparação exuberante, ou a interrupção mais irónica. Sendo o que temos, não devia ser tudo o que queremos ter.