As eleições presidenciais francesas decidem-se no próximo domingo. Costuma dizer-se que os franceses votam com o coração na 1.ª volta e com a razão na 2.ª volta. Se assim for, a prudência do voto útil ditará a vitória de Emmanuel Macron, que se tornará o quarto presidente da V República a conseguir a reeleição.
Tal como há cinco anos, Macron e Le Pen passaram à 2.ª volta, então com 24,01% e 21,30%, agora com 27,8% e 23,1%. Na 2.ª volta de 2017, Macron teve 66,10% e Le Pen 33,90%. A diferença em 2022 será com certeza menor – tão menor que as sondagens antecipam 52% vs. 48%. Ou seja: a vitória de Macron será expectável; mas a derrota não é impossível.
As chaves do Palácio do Eliseu estão nas mãos dos 7,7 milhões de eleitores de Jean-Luc Mélenchon, o candidato da esquerda radical. Muitos desses votantes irão para a abstenção; outros aceitarão votar no presidente “dos ricos”; e outros ainda, por serem eleitores de protesto, agastados com a crise, transferirão a cruzinha no boletim diretamente para Le Pen. Eis o problema – um de muitos. Quero crer que, mesmo assim, Marine Le Pen não será a presidente de França.
Apesar de se ter moderado (o surgimento de Éric Zemmour, na extrema-direita, ajudou a isso), renunciando (para já?) ao “Frexit”, reduzindo a sua islamofobia, mascarando a sua xenofobia e aceitando a colaboração da França na NATO, Le Pen seria sempre uma presidente populista, uma Nigel Farage continental, adepta de um “France d’abord” nacionalista, reticente à cooperação europeia e transatlântica (tão necessária hoje), perigosamente amiga de Putin e de outros “iliberais”, errática na política, justiceira na sociedade, caótica na economia.
É certo que o “macronismo” também não terá muito mais substância do que a personalidade e o estilo do próprio Macron, que dizimou os socialistas e os republicanos, desertificando a esquerda e a direita clássicas (Valérie Pécresse e Anne Hidalgo, juntas, tiveram 6,5% na 1.ª volta). Ainda assim, e por contraste com a sua vociferante adversária, Macron é um europeísta convicto, cultor do eixo franco-germânico que move a UE, benquisto junto dos EUA e da NATO.
A reeleição de Macron será um enorme suspiro de alívio para o sistema da V República e para a comunidade da UE. O problema – o outro problema – espreita, contudo, a prazo, em 2027. O “macronismo”, que é um personalismo, não resistirá à saída de Macron, e tendo chamado a si os votos de muitos socialistas e republicanos, não é claro para onde eles voltarão quando ele sair do Eliseu. O bipartidarismo moderado poderá ser refeito? Ou a pulverização ao centro, mais o reforço dos extremos, será finalmente a vitória (à quarta tentativa) de Le Pen, ou de quem, pela extrema-direita ou pela extrema-esquerda, a ultrapasse, à boleia de mais “coletes amarelos”, mais problemas de imigrantes, mais crise económica e mais protestantismo informe? Oxalá a tragédia francesa, que seria um drama europeu, não ocorra em 2022. Mas nada obsta a que ela ocorra em 2027.
O segundo mandato de Macron terá de dar resposta aos problemas reais da grande nação francesa, para lá da aura europeísta e globalista que o presidente cultiva. Se continuar a exibir a insensibilidade social de que o acusam dentro de casa, o seu quinquénio será uma avenida para o triunfo futuro de um radical. Consta que Luís XV, depois de derrotado pelos prussianos na batalha de Rossbach, em 1757, na Guerra dos Sete Anos, terá exclamado, “Aprés moi, le déluge!” (“Depois de mim, o dilúvio!”).
De facto, o “dilúvio” (político) veio, no reinado do seu sucessor, Luís XVI, com o vendaval da Revolução Francesa. Macron está em cima de um vulcão. Depois dele, se não já agora, em 2022, talvez em 2027, pode bem vir o “dilúvio”.