Marcelo revela lista de reclusos. O que é um indulto? Como é que o Presidente decide?
27-04-2020 - 07:17
 • Marina Pimentel

O Presidente da República deve divulgar, esta segunda-feira, a lista dos reclusos que beneficiam do indulto extraordinário, por causa da pandemia.

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Marcelo Rebelo de Sousa tem em cima da mesa uma proposta de 14 indultos de penas de reclusos que estão em condições de saúde precárias e cuja continuação em estabelecimento prisional representaria para eles um risco de vida, por causa da dificuldade em impor regras de distanciamento social num ambiente prisional sobrelotado.

Estes reclusos de risco, além de serem uma bagatela face aos restantes que também beneficiam do regime especial, saem depois dos quase 1. 200 que já beneficiaram do regime de perdão de penas e dos mais de 600 a quem foi concedida a autorização de saída administrativa extraordinária.


O que é o indulto?

O indulto é uma competência exclusiva do Presidente, prevista na Constituição, não estando sujeita a qualquer condição, para além da audição prévia do Governo, representado pela ministra da Justiça. Pode abranger não só o perdão total ou parcial da pena, mas também a revogação de penas acessórias de expulsão do país, aplicadas a reclusos de nacionalidade estrangeira. Pode ainda traduzir-se pela substituição da pena por outra menos grave.

Os indultos presidenciais têm data marcada. Acontecem sempre pelo Natal e só se aplicam a reclusos cuja sentença já transitou em julgado, isto é, quando já não há qualquer hipótese de recurso.

Os indultos que hoje vão ser anunciados têm carácter extraordinário. Abrangem reclusos com mais de 65 anos, que não tenham praticado crimes graves, como homicídios, abusos sexuais, violência doméstica ou corrupção por agente público, e que estejam numa situação de saúde física ou psíquica grave que se considera incompatível com a permanência na cadeia, estando em curso uma pandemia como a da Covid-19.

Como é que o Presidente decide quem indulta?

O Presidente decide a partir de uma lista que lhe é apresentada pela Ministra da Justiça, tendo sido elaborada a partir dos pedidos feitos pelos próprios reclusos ou, em caso de incapacidade dos próprios, por familiares ou pelos seus representantes. A medida também pode ser proposta pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o recluso.

Intervêm na análise de cada pedido, dando parecer sobre o mesmo, uma série de entidades: Serviços Prisionais, Serviços de Reinserção Social, Diretor do Estabelecimento Prisional, Ministério Público, juiz do Tribunal de Execução de Penas e por último a ministro da Justiça que depois leva o processo para decisão do Presidente. Desta vez a ministra Van Dunem leva uma lista de 14 pedidos de indulto, a partir dos cerca de 400 pedidos que recebeu.

Qual é o fundamento do indulto?

No caso destes indultos de penas que hoje deverão ser anunciados o fundamento são razões de saúde pública. Estamos a falar de uma faixa etária para quem a COVID-19 tem um risco acrescido. Com a agravante de as cadeias portuguesas terem manifestamente um problema de sobrelotação, que torna inviáveis as normas de distanciamento social recomendado pela Direção-Geral de Saúde. Mas é muito curioso que estes reclusos, cuja permanência na cadeia representa para eles um risco de vida, vão ser os últimos a sair e o seu número é uma bagatela ao pé dos quase mil e 800 que já saíram ao abrigo do perdão de penas e das saídas administrativas.

No caso dos indultos ordinários as razões de clemência apontadas são quase sempre as “humanitárias” ou de “ressocialização”. Mas houve caos em que o decreto presidencial foi bastante mais específico. Em 2007, por exemplo, Cavaco Silva indultou com menos um ano de cadeia um recluso, pelos esforços que este estava a fazer para recuperar da sua toxicodependência. Um outro foi premiado por, além de estar a combater a sua dependência, se ter dedicado aos estudos. Um outro ainda beneficiou de um indulto sujeito à condição de tratar do seu problema de alcoolismo.

Qual é a diferença entre indulto e amnistia?

Não são efetivamente a mesma coisa. O indulto tem carácter individual, enquanto a amnistia ou o perdão genérico têm caráter geral e abstrato.

A amnistia tem efeitos retroativos, afetando não só a pena mas o próprio ato criminoso passado que se toma como não praticado (abolição retroativa do crime). O perdão genérico incide apenas sobre as penas e vigora para o futuro. Tanto as amnistias como os perdões genéricos são da competência da Assembleia da República. O indulto, como já dissemos, é um poder de outro órgão de soberania, o Presidente da República.

Depois de conceder o indulto o Presidente não pode voltar atrás?

Pode. O indulto pode ser revogado até ao momento em que ocorreria o termo da pena, sempre que se revelem falsos os factos que levaram à sua concessão. Ou quando não sejam respeitadas as condições nele incluídas.

Foi só desta vez que o indulto foi polémico?

Os indultos são por natureza polémicos e essa é talvez a razão que explica que tenham vindo a diminuir tanto ao longo dos últimos anos. Se aprovar a proposta que é lhe feita, Marcelo Rebelo de Sousa vai anunciar o maior número de indultos do seu mandato, já que em 2019 aprovou apenas dois indultos e cinco em 2018, o mesmo número do ano anterior. Até agora, o recorde de Marcelo Rebelo foram seis indultos. Foi no seu primeiro ano de mandato. Por regra, os inquilinos de Belém tendem a ser mais clementes nos primeiros anos de mandato. Apesar da parcimónia, Marcelo não se livrou da polémica. Em 2018, concedeu indulto a um padre que tinha sido condenado no ano anterior a dois anos e nove meses por maus tratos contra crianças e idosos com doenças físicas e mentais na Casa do Gaiato de Beire, em Paredes. Tratava-se de uma pena suspensa, mas com o indulto caiu a pena acessória decretada pelo Tribunal de proibição de regresso à instituição.

Cavaco Silva andou na mesma média de Marcelo Rebelo de Sousa.Com exceção do início do seu primeiro mandato, em 2006, em que aprovou 34 indultos, entre os quais o de um empresário da noite, desconhecendo que o homem já tinha sido condenado num processo anterior a quatro anos e meio de cadeia e sobre o qual pendiam mandados de captura nacionais e internacionais, por ter fugido para o estrangeiro. Depois dessa polémica, a média de Cavaco Silva foi de 4,1 indultos por ano, ao longo dos dois mandatos.

Entre os três últimos presidentes, o que mais perdoou foi Jorge Sampaio. Durante os dois mandatos concedeu 437 indultos. Sampaio foi o campeão em número e em polémicas. Em 2003, concedeu indulto a uma enfermeira condenada a sete anos e meio de prisão por vários crimes, entre os quais a prática de aborto. E três anos depois, na lista dos 34 indultados, estavam 10 reclusos condenados por homicídio, um dos quais autor de cinco mortes. A justificação apresentada foi que estava cego e tinha graves problemas cardíacos.