Morreu a atriz e encenadora Fernanda Lapa. A notícia é avançada nesta quinta-feira pela Escola de Mulheres-Oficina de Teatro, de que Fernanda Lapa era diretora artística.
“É com profundo pesar e imensa tristeza que a Escola de Mulheres comunica a morte de Fernanda Lapa, direora artística desta companhia desde a sua fundação, em 1995”, lê-se no comunicado.
Tinha 77 anos e, segundo as poucas as informações ainda disponíveis, estava internada no hospital de Cascais, onde faleceu.
Exigente e defensora das mulheres artistas
Foi por isso que nasceu a Escola de Mulheres-Oficina de Teatro. “Por manifesta vontade de Fernanda Lapa, e das restantes companheiras de Teatro, com o intuito de romper com o estado de coisas a que estavam remetidas as mulheres no teatro português”, lê-se no comunicado da escola.
“Quase nunca nenhum texto de autoria feminina era representado, havia pouquíssimas encenadoras e estas ficavam na maior parte dos casos sempre à espera de serem convidadas pelos diretores das companhias”, justifica o documento destacando ainda a imagem estereotipada que muitas representavam nos elencos “maioritariamente masculinos”.
Ruy Malheiro, diretor de produção da companhia da Escola de Mulheres, não tem dúvida de que Fernanda Lapa deve ser lembrada “como uma grande atriz, uma grande encenadora, mas, acima de tudo, uma mulher muito singular que desde sempre se preocupou por dar lugar e privilegiar o trabalho das mulheres, o trabalho feminino nas artes em geral e no teatro em particular”.
“Marco inegável e inquestionável no panorama cultural português na área do teatro”, Fernanda Lapa era também conhecida pela sua exigência.
“Trabalhar com ela era um verdadeiro privilégio. Sempre foi muito exigente em tudo. Em tudo na vida e no teatro não foi menos”, diz Ruy Malheiro à Renascença. E os que, nos primeiros passos que deram no teatro, se cruzaram com ela sabem bem disso.
“Com a preocupação de os preparar, os alertar de que a realidade que estavam a querer iniciar era muito exigente, ela tornava essa exigência ainda mais presente, o que fez alguns jovens atores ganharem ainda mais estrutura e defenderem-se um bocadinho melhor”, relata o produtor, que não esconde “o privilégio de poder trabalhar” com Fernanda.
Do outro lado da exigência, havia “o enorme humanismo, o coração gigante que ela tinha para todas as pessoas. Havia sempre uma outra face da moeda”.
Última encenação estreia em novembro
Este ano, Fernanda Lapa quis voltar a celebrar Bernardo Santareno, com quem tinha uma relação de amizade muito profunda.
“Cumprindo a sua vontade, a Escola de Mulheres estreará a 19 de novembro a versão cénica de Fernanda Lapa da obra ‘O Punho’”, refere a Escola de Mulheres em comunicado.
À Renascença, Ruy Malheiro confirma que “a Escola de Mulheres decidiu manter a estreia do espetáculo na data do aniversário do Bernardo Santareno, de quem foi amiga pessoal a vida inteira”.
Fernanda Lapa “fez a versão cénica do espetáculo e já nos tinha solicitado, por questões de saúde, que o resto da equipa encenasse com ela. Era uma encenação coletiva. Temos as indicações todas que nos deixou relativamente ao espetáculo e iremos honrá-las”, acrescenta.
Ela fez a versão cénica do espetáculo e ia encenar e já nos tinha solicitado, por questões de saúde, que o resto da equipa encenasse com ela. Era uma encenação coletiva. Temos as indicações todas que nos deixou relativamente ao espetáculo e iremos honrá-las”.
Fernanda Lapa conheceu o médico e dramaturgo Bernardo Santareno num bacharelato em bacharelato em Serviço Social, depois de se iniciado no teatro em 1962 e ter recebido “20 valores pelo seu talento” da parte de Almada Negreiros.
Multifacetada e multipremiada
O currículo de Fernanda Lapa inclui óperas, teatro, teatro-dança e televisão.
Fundou a Casa da Comédia, onde se estreou como atriz, em 1962. E estreia-se com a mesma peça – “Deseja-se Mulher”, de Almada Negreiros e sob a direção de Fernando Amado – como encenadora, em 1972, também na Casa da Comédia.
O diploma em encenação tirou-o em Varsóvia, para onde foi estudar com uma bolsa de estudo.
No cinema trabalhou com nomes como Artur Duarte, Margarida Gil, Monique Rutler, Luis Filipe Costa, Pedro Senna Nunes, Fernando Vendrell, Jorge Paixão da Costa, Tiago Guedes/Eduardo Serra.
Foi, até agosto de 2012, Professora Catedrática Convidada e diretora do Conselho do Departamento de Artes Cénicas da Universidade de Évora – Licenciatura e Mestrado; Escola Profissional de Teatro de Cascais (Intérpretes); Universidade Intergeracional (UNIESTE).
Durante a sua carreira, Fernanda Lapa foi nomeada os “Sete de Ouro” em 1984, 1990 e 1991. Em 1992, recebeu o “Sete de Ouro” para a melhor encenação e, no mesmo ano, o Prémio da Crítica para a Encenação, com “Medeia é Bom Rapaz”.
Para os Globos de Ouro, foi nomeada em 1996 (Prémio SIC na modalidade de Teatro), mas é em 2005 que arrecada a distinção, dessa vez na categoria Melhor Espetáculo, com “A Mais Velha Profissão”.
Antes, em 1999, ganhou o Prémio Especial “Procópio” e, em 2005, a Medalha de Ouro de Mérito Cultural.
A nível pessoal, Fernanda Lapa foi casada com Carlos Alberto Pombo Rodrigues até 1970 e tem três filhas, tendo uma delas já falecida. Mónica Lapa Pombo Rodrigues era bailarina e coreógrafa e morreu a 3 de agosto de 2001.
São também filhas de Fernanda Lapa, Ana Mafalda e Marta Alexandra, esta também bailarina, coreógrafa e atriz.
Fernanda Lapa é ainda irmã de Maria José Lapa, que chegou a dirigir no teatro.