A apreensão estende-se a todas as subregiões. A falta de chuva está a afetar a atividade agrícola em Trás-os-Montes e a deixar preocupados sobretudo os produtores de gado, que temem não conseguir alimentar os animais.
“Isto vai de mal a pior. Os pastos estão secos e os animais já quase não têm que comer no campo”, diz à Renascença Manuel dos Santos.
Com uma exploração de 50 vacas de raça barrosã, no concelho de Montalegre, Manuel dos Santos teme ter de vender os animais se a seca se mantiver. “Não tenho outro remédio que não seja vender algumas vacas, porque o feno e a palha que armazenei não dá para todas”, desabafa, cruzando os braços em atitude de resignação.
Em Chaves, o pastor António Correia guarda as suas 200 ovelhas num terreno onde já não é fácil encontrar vegetação verde. Encostado ao cajado manifesta tristeza e desalento. “Se não chover nos próximos dias estamos perdidos. Elas [as ovelhas] até andam acabrunhadas, porque já não encontram que comer e em casa não tenho nada para lhes dar. Isto está muito mau.”
António vive do rebanho e de uma pensão de 200 euros. Nem quer pensar em vender os animais, mas diz que não terá outro remédio se não houver pastos. “O gado é a minha sobrevivência e, se tiver que me desfazer dele, o que será de mim?” É ele quem responde de imediato à própria pergunta: “Olhe, vou ter que me deitar a pedir para dar de comer à mulher e aos filhos.”
Também os criadores de gado ovino e bovino do Planalto Mirandês estão apreensivos face ao futuro das suas explorações pecuárias.
Andrea Cortinhas, secretária técnica da Associação Nacional de Criadores de Ovinos de Raça Churra Mirandesa (ANCORM), explica à Renascença que, “por esta altura do ano, já deveria ter chovido, as sementeiras estão feitas e os nossos lameiros, que alimentam o gado, não têm erva suficiente”.
Segundo a técnica, “a falta de chuva, nesta altura, coloca em causa a produção de alimento para os animais, o que leva a que produtores tenham de gastar mais dinheiro na compra de forragens e farinhas, para fazer face a uma eventual escassez”.
A zootécnica acrescenta que “as terras estão adubadas e é preciso água para que as culturas se possam desenvolver”. Contudo, “os lençóis freáticos estão quase secos e os ribeiros já mal correm”.
É “um panorama que poderá ficar pior do que o que aconteceu em 2017 e 2018”, ressalta Andrea Cortinhas, referindo-se ao período em que a seca produziu “efeitos nefastos no efetivo dos ovinos de Raça Churra Galega Mirandesa”.
“A continuar assim, vamos ter um ano de fome”
No Planalto Mirandês, as preocupações com a falta de água estendem-se aos produtores de bovinos de raça mirandesa. O secretário técnico da Associação de Produtores de Raça Bovina Mirandesa, Válter Raposo, reforça que “choveu muito pouco este ano", o que "vai refletir-se nas pastagens”.
“O pouco pasto que há está adiantado para a época. Mesmo que venha alguma chuva, a produção de alimento para o gado continua comprometida.”
A falta de chuva preocupa também os agricultores que, por esta altura, já deveriam estar a plantar batatas e hortícolas. Na veiga de Chaves, encontramos Américo e Natércia. Preparam-se para, com a enxada, abrir os regos para plantarem a batata. Os seus rostos cobertos de pó denunciam a “secura do terreno”.
“Estamos a deitar as batatas à terra, mas não sei se vale a pena", diz Américo à Renascença. "A terra está tão seca que o mais certo é não chegarem a nascer.”
Natércia acrescente que, devido à falta de água, ainda não plantou “o cebolo nem as couves”. “No ano passado, por esta altura, já tinha cebolinhas novas e este ano ainda nem sequer estão plantadas”, desabafa. Também ela acredita que os produtores agrícolas da região podem ter a sina traçada: “A continuar assim, vamos ter um ano de fome.”