A reportagem da TVI sobre o IRA, Intervenção e Resgate Animal, mostra um grupo de cidadãos que se junta para combater o que classificam de crimes contra os animais. Para isso, usam todos os meios necessários. O motivo que justifica a ação, argumentam, é a inação das autoridades e isso, do seu ponto-de-vista, legitima os seus atos, mesmo os que possam ser violentos.
Na reportagem televisiva, ouve-se uma das ativistas dizer: “Era excelente que as entidades competentes dessem o exemplo. Só no caso de tudo falhar é que o IRA entra.”
Ao Observador, em 2017, o fundador do grupo explicava uma das ações do IRA da seguinte forma: “O que vamos fazer hoje é um sequestro de um animal. Se chegarmos lá e o dono tiver dado sumiço ao animal, poderemos fazer um sequestro do dono até ele nos contar onde está o animal. Não somos a PSP, não somos o SEPNA [Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente], não somos a GNR nem a Câmara Municipal de Lisboa — as nossas ações justificam os fins que pretendemos: o bem-estar animal. Um país onde existe todo o tipo de menosprezo pelos direitos dos animais não merece nada menos do que um grupo com este tipo de atitude.”
A Polícia Judiciária, segundo o Público, está agora a investigar a organização por suspeita de crimes de terrorismo.
Após a reportagem televisiva que criou polémica − também devido à ligação da chefe de gabinete do PAN, Cristina Rodrigues, a esta organização − multiplicaram-se as mensagens de incentivo dos internautas à forma como o grupo atua na página de Facebook do IRA.
“Sabem qual é o vosso problema??? É que vocês, além de atuarem e resolverem os problemas, vocês têm tomates.... É isso que está a incomodar muita gente”, lê-se numa das publicações em que o grupo tenta desmontar as alegadas falsidades da reportagem da estação de Queluz.
Descrédito e desconfiança
O que legitima este tipo de ações, entre os defensores, é a falta de intervenção das autoridades policiais, e o presidente da ASPP (Associação Sindical dos Profissionais), Paulo Rodrigues, diz que a partir deste caso não se pode dizer que haja o risco de aparecimento reiterado de milícias populares para resolver problemas. Mas alerta que “há o perigo de que as coisas se descontrolem”.
“Quando vemos alguns cidadãos a dizer que chamaram a polícia e que esta demorou cinco horas, isso alimenta um sentimento de descrédito e desconfiança em relação às forças policiais”, destaca à Renascença.
“Nesta onda, é natural que se criem pequenos grupos que fazem o que a polícia devia fazer e não faz”, acrescenta Paulo Rodrigues, enfatizando contudo que não é a fomentar organizações deste género que se resolvem os problemas.
“Criam-se outros problemas. É melhor pressionar as entidades competentes a fazerem o seu trabalho do que fazerem algo que pode sair caro a todos nós.”
Faltam meios
Paulo Rodrigues afirma que há uma falta crónica de meios nas forças de segurança e que os sindicatos têm tentado chamar o “Governo à razão”.
O mesmo responsável defende que estes casos acontecem porque, de facto, as forças de segurança não têm meios para atuar, e isso “leva a que alguns grupos o queiram fazer para superar a situação”.
“É um problema que temos identificado”, garante.
Por fim, lamenta que, “pelos vistos, só os polícias estão preocupados com esta situação”.
“São pequenos sinais que refletem sentimentos que podem sair caros à sociedade portuguesa. Foi assim que as coisas começaram noutros países”, remata.
Não é nada novo, mas é diferente
Noutros casos recentes, o deslaçamento entre as instituições e os cidadãos também ficou evidente. No rescaldo dos incêndios de Pedrógão Grande, por exemplo, vários grupos de pessoas, desconfiando da ação das instituições de solidariedade social, foram para o terreno para entregarem pessoalmente bens de apoio às vítimas.
Outro caso: no rescaldo de uma onda de centenas de furtos de quatro rodas a carros, nos últimos cinco meses, na zona de Lisboa, houve grupos de moradores nas redes sociais que, em múltiplos comentários, apelavam à necessidade de agirem e criarem grupos para afastar os ladrões dada a inação da polícia.
À Renascença, o ex-ministro da Administração Interna Rui Pereira não considera que a desconfiança em relação às instituições esteja a aumentar. “Não creio que a tendência para fazer justiça pelas próprias mãos seja mais vincada do que há alguns anos”, diz o ex-governante, dando exemplos de grupos terroristas das décadas de 1960 e de 1970, como as FP-25.
“Hoje essa tendência abandonou as grandes narrativas para se dedicar às causas fraturantes”, reflete, afirmando que não é aceitável que se ataquem pessoas ao abrigo da defesa dos animais.
O ex-governante não considera o caso do IRA episódico, mas classifica-o como “marginal”.
“Não são a tendência mais evidente, e espero que não venha a representar a forma mais típica de assumir estas causas”, remata.