A tentativa de transferência para uma unidade de cuidados paliativos do menino britânico Archie é vista pela especialista em Bioética como o prolongar de uma situação que só poderá ter um desfecho.
“É o adiar de uma situação [inevitável]”, defende Ana Sofia Carvalho.
“Aquilo que a unidade de cuidados paliativos vai fazer é aquilo que uma outra unidade faria. A filosofia dos paliativos é não prolongar aquilo que não faz sentido do ponta de vista médico e do melhor interesse daquela pessoa”, acrescenta.
Os pais de Archie, esta quinta-feira, manifestaram vontade de que o rapaz passasse os últimos dias fora do hospital, numa unidade de cuidados paliativos.
Os médicos do Royal London Hospital consideram que a iniciativa prejudicaria os interesses da criança uma vez que iria contribuir para uma degradação mais acelerada das condições de saúde já muito precárias.
Ainda assim, a especialista pensa que a transferência até podia ser positiva, porque “os cuidados paliativos não são só para os pacientes, mas para todo o ambiente familiar”.
“Isto também é um grito de alerta para um luto que está a ser muito complicado devido a todas as circunstâncias e à forma como aconteceu [a morte]”, acrescenta.
E em Portugal, o que aconteceria?
Transpondo o caso do menino de 12 anos para a realidade nacional e o que se poderia passar num hipotético caso em Portugal, Ana Sofia Carvalho diz que em relação à decisão seria absolutamente igual.
“Seria a mesma sem dúvida. Os critérios de vida e morte são usados em todo o mundo da mesma forma”, observa.
Agora a médica acredita que não viveríamos os mesmos contornos judiciais em relação ao processo.
“Não temos a tendência legalista de quando há conflito ser o tribunal que decide. Penso que eventualmente as coisas seriam feitas de outra forma, e não deixaria de estar no âmbito daquilo que é uma relação entre os médicos e os doentes”, defende.
A especialista em Bioética acredita que neste caso está a faltar “um acompanhamento no luto que está a ser descurado, e que aqueles pais precisavam nesta fase”.
“Falta diálogo e bom senso. Ser médico em situações de pediatria não é só ser médico da criança, é ser médico da criança e da família”.
"Está morto"
Em relação ao caso, Ana Sofia Carvalho não tem dúvidas de que “Archie de acordo com aquilo que são os critérios científica e medicamente estalecidos de morte, está morto”.
“Atualmente, já desde a década de 1960, os critérios de morte deixaram de ser a morte cardiorrespiratória, para passar a ser morte do tronco cerebral”, argumenta.
No entanto, este caso tem uma grande carga dramática. “Os pais estão num luto muito difícil e não aceitam a morte daquela criança, e não querem que o suporte cardiorrespiratório seja retirado”, lembra.
O rapaz sofreu graves danos cerebrais depois de ser encontrado pela mãe inconsciente e com uma ligadura na cabeça a 7 de abril, possivelmente depois de ter participado num desafio da rede social Tik Tok.
A mãe Hollie Dance acredita que o filho terá feito um desafio que consiste em cortar o fornecimento de oxigénio ao cérebro até se perder a consciência.
A criança foi transportada para o Royal London Hospital, em Londres, tendo sido diagnosticada com “morte cerebral”. Desde então para cá travou-se uma batalha judicial entre o hospital e os pais de Archie, que se recusam a aceitar a recomendação dos médicos para desligar as máquinas de suporte de vida que têm mantido os sinais vitais da criança, que está em coma há quase quatro meses.