O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse esta sexta-feira que se assiste a um "esvaziamento" dos atos próprios da advocacia e pediu ao legislador para que olhe para a Ordem dos Advogados como um todo.
Numa mensagem de vídeo transmitida no Congresso dos Advogados Portugueses, que começou em Fátima (Santarém), o chefe de Estado afirmou que “havia uma definição do núcleo duro de atos próprios da advocacia, como atos próprios da atividade médica ou de outras atividades profissionais”, para frisar que se tem “assistido a um esvaziamento na definição desse núcleo duro”.
“O núcleo duro já não é o núcleo duro, é duríssimo no sentido de muitíssimo circunscrito. Dir-se-á, ‘mas é assim, é a evolução da sociedade’”, prosseguiu, para assinalar que “qualquer jurista, qualquer licenciado, qualquer conhecedor de Direito, com as qualificações académicas requeridas, pode praticar vários desses atos e muitos deles já são praticados por outras atividades profissionais dentro do mundo da justiça”.
“E não resta um núcleo duro da atividade da advocacia? (…) Até onde se pode dessubstancializar o que é o núcleo duro da atividade da advocacia? A menos que se entenda que é possível exercer qualquer atividade como exercício de cidadania com o mínimo de qualificações para o efeito, nomeadamente académica”, questionou o chefe de Estado.
Referindo-se ao exercício da advocacia, que “mudou radicalmente em número e em formas de exercício dessa atividade”, Marcelo Rebelo de Sousa apontou que "ao lado de estruturas mais sofisticadas que envolvem o exercício da advocacia por quem é patrão e o exercício da advocacia por quem é trabalhador por conta de outrem, ao lado dessas organizações novas, surgem outras organizações multidisciplinares que, de acordo com regras do Direito Europeu, pretendem ter um estatuto que lhes permita substituir, no todo ou em parte, a atividade dos advogados”.
“Depois há outra realidade na advocacia portuguesa, o outro lado, que são os milhares e milhares e milhares de advogados por todo o país que não integram sociedades multidisciplinares, não integram sociedades de advogados e exercem, muitas vezes, numa situação quase de penúria ou de sobrevivência o seu múnus, a sua missão ao serviço da comunidade”, alertou.
O Presidente da República adiantou que se fala sobre estas realidades “é para solicitar a atenção do legislador quando define regras para pensar no todo e não apenas na parte”, pois a advocacia é “praticada de formas muito diversas, com estatutos económicos e financeiros muito diferentes” que e exigem “regras que não olhem apenas para a parte, para o que era a Ordem dos Advogados há 60 anos, há 70 anos, há 80 anos, talvez, porventura há 50 ou 40, mas para o que é a Ordem dos Advogados e o que é a advocacia hoje”.
O Presidente da República disse ainda que é conhecido como “tantos e tantos portugueses são críticos em relação a Justiça em Portugal”.
“Sabemos, como eu próprio disse, em várias aberturas solenes do ano judicial (...), que se recrimina o facto de a justiça ser lenta, muito lenta, ser assimétrica, ser muito desigual e, portanto, haver inúmeras conjunturas, para não dizer de forma estrutural, uma justiça para ricos e uma justiça para pobres”, adiantou.
Assinalando o “facto de as reformas legislativas no domínio da justiça demorarem eternidades a passarem aos factos, primeiro a surgirem e depois a passarem aos factos”, o chefe de Estado perguntou também: “E quantas vezes (…) é o Direito legislado que, pelo seu número e pela sua imperfeição em termos técnicos, cria desnecessariamente problemas a quem tem de aplicar esse Direito?”.
Às centenas de advogados presentes no congresso, que termina no domingo, Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu “o que tem sido o labor num panorama tão complexo e com tantas queixas, umas mais justas, outras menos justas em relação à justiça em Portugal”.