Aqui não há cabazes para pobres. Há uma mercearia
22-07-2022 - 19:42
 • Ana Catarina André

Abriu no início do mês, em Lisboa, para trazer “mais dignidade” ao apoio alimentar dado a 470 famílias carenciadas. Aqui, são os beneficiários que escolhem o que quer levar para casa, como num supermercado comum.

Foi assim durante anos. Todas as pessoas que recebiam apoio do Centro Padre Alves Correia (CEPAC), em Lisboa, juntavam-se em fila, à porta da instituição, para receber um cabaz alimentar. Na maior parte das vezes, limitavam-se a pegar na oferta, sem saber o que levavam, agradeciam a ajuda e voltavam para casa.

Por vezes, deparavam-se com ingredientes que não sabiam cozinhar – muitos são imigrantes vindos de África, habituados a outro tipo de dieta. Noutras ocasiões, ao abrir o saco, eram confrontados com produtos de que não gostavam. “Ao longo dos anos, fomos percebendo que tínhamos de trazer mais dignidade para esta resposta”, explica Ana Mansoa, diretora executiva do CEPAC.

A inquietação levou a instituição, que apoia 470 famílias carenciadas, a pôr fim aos tradicionais cabazes alimentares e a criar uma mercearia social, a que deram o nome de mercearia Sabura.

O novo espaço, pertencente à Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo, foi inaugurado no início de julho, em Lisboa, e permite que os beneficiários escolham, através de um sistema de créditos, os produtos a levar.

“Recebemos pessoas de 19 nacionalidades, com culturas, gostos e conhecimentos diferentes. Se por um lado, queremos trabalhar na formação e na aquisição de hábitos de consumo mais saudáveis, por outro lado, pretendemos trazer a pessoa para o centro”, diz a responsável, justificando assim o fim dos cabazes tradicionais.

Um novo paradigma

Logo à entrada da mercearia, situada no bairro da Estrela, em Lisboa, um painel indica o número de produtos a que cada tipo de agregado familiar tem direito.

Adelina Sambu, de 37 anos, olha com atenção para o quadro, antes de selecionar o que vai pôr no cesto. A guineense chegou a Portugal em 2019, para fazer um tratamento médico, ao abrigo de um protocolo de saúde entre os dois países e, como está desempregada, recorre a esta ajuda.

“Gosto da nova mercearia. Está bem organizada. É melhor do que antes. Aqui, podemos escolher o que levar”, diz Adelina, que teve de deixar os filhos na Guiné, para vir para Portugal.

Ali perto, na sala onde foi montada a mercearia, está Celeste, voluntária do centro, que se prontifica a ajudá-la – é preciso verificar quantos pacotes de arroz e massa pode levar.

O processo é simples e, ao fim de poucos minutos, Adelina está na caixa. É José Mário Santos quem a atende e regista tudo o que vai levar. O empregado confessa que está a “ter alguma dificuldade” em adaptar-se ao novo modelo.

“É uma orgânica que exige maior rigor com a saída dos alimentos”, afirma. E garante: “Os clientes, esses, estão mais satisfeitos”.

Além de promover a autonomia dos beneficiários, Ana Mansoa considera que a mercearia trouxe uma “uma mudança de paradigma” no apoio que prestam.

“Passámos de uma abordagem paternalista para uma abordagem que visa empoderar as pessoas”, afirma a responsável, sublinhando que o projeto pretende também “promover a tomada de decisão consciente”.

Mais para a frente, o CEPAC quer estender este modelo a outras áreas de intervenção, como é o caso do apoio com vestuário, por exemplo. Mas não só: ”Pretendemos desenvolver projetos de formação e de acompanhamento por nutricionistas. Queremos, por exemplo, trabalhar com as pessoas algumas receitas com os alimentos que recebemos do Banco Alimentar.”