As autoridades portuguesas estão a investigar um casal que vive em Portugal e que pede donativos para ajudar pessoas e animais na Ucrânia, depois de denúncias de burla.
Pelo menos três pessoas, contactadas pela Lusa, acusaram o casal de burla. A Procuradoria-Geral da República já abriu um processo.
A guerra mobilizou inúmeras organizações, dispostas a ajudar as pessoas e, mais tarde, os animais. No caso dos animais, várias organizações aproveitaram as redes sociais para apelar ao transporte e posterior adoção e foi neste contexto que o português Rui de Sousa e a ucraniana Alina Kozak terão atuado, oferecendo os seus préstimos para levar comida e medicamentos, pedindo donativos.
Debra Michaud vive em Chicago e alega ter recebido um contacto de Rui de Sousa, dizendo que iria partir para a Ucrânia numa missão humanitária de apoio a militares e que teria dez dias livres para ajudar animais. A ativista "estava em contacto com várias famílias, com um grande número de animais que precisavam de ser resgatados" e Rui Sousa ter-lhe-á prometido ajudar "pessoas e animais fora de Mariupol".
"Disse-me que faltavam-lhe apenas 1.400 euros para poder fazer a viagem, pois tinha várias campanhas GoFundMe em curso, mas não estavam a angariar dinheiro suficientemente depressa. Então eu pensei: se eu lhe emprestar 1.400 euros, e ele me reembolsar quando o financiamento chegar, ele pode partir agora, obter a insulina e os mantimentos necessários para o exército e depois ficar livre para ajudar estas famílias [com animais] que estão a implorar por ajuda", explicou.
Debra disse à Lusa que lhe enviou 1.550 dólares através da plataforma de transferência Wise, dinheiro que seria destinado para o combustível que iria levar os três camiões com donativos à Ucrânia.
"Apercebi-me que era um esquema"
Os dias passaram e Rui de Sousa continuou a apelar aos donativos, o que levou Debra a desconfiar. "Mandei-lhe uma mensagem exasperada a perguntar porque estava ele a angariar dinheiro em vez de se fazer à estrada, se eu já tinha enviado o que ele disse que precisava". O suspeito terá apresentado várias desculpas, que estava primeiro na Ucrânia, depois na Polónia, até que soube por alguém que ele estaria em Portugal.
"Naquele momento eu apercebi-me que era um esquema e comecei a encontrar outras pessoas que também tinham sido enganadas por ele", contou.
O casal terá criado vários grupos no Facebook - primeiro Soutal Nova e agora Slava UA - onde publicam fotografias, que se vão repetindo, de animais alegadamente a precisarem de ser resgatados, outros supostamente salvos e ainda de bens que, afirmam, foram adquiridos com os donativos reunidos.
Aline Kozak também criou a página Power of Peace, que se apresenta como "uma pequena organização, que fornece abrigo, apoio médico e distribuição de provisões para pessoas e animais".
Os nomes indicados na equipa da organização são Aline Kozak, Rui de Sousa e Józef Reba e o número do MBWay, para donativos, é o do telemóvel de Rui de Sousa, utilizado noutras páginas (Soutal Nova e Slava UA).
Denunciado por burla refuta as acusações
Rui de Sousa refuta as acusações e diz que o que pede é para fazer chegar à Ucrânia os bens que recolhe e diz-se vítima de ataques sem fundamento, os quais atribui a pessoas ligadas a situações ilegais, como tráfico de animais.
Sem especificar o montante até hoje reunido, alegando que assim que recebe um donativo gasta tudo a comprar bens para enviar, promete, em declarações à Lusa, levar a tribunal todos os que o acusam.
Ann Holvoet, uma belga que vive na Roménia, onde construiu um abrigo para cães vadios, ofereceu-se para acolher animais resgatados dos cenários de guerra na Ucrânia.
"As nossas equipas salvaram cães de toda a Ucrânia e entregámos toneladas de alimentos e mantimentos aos que ficaram", disse à Lusa.
Nessa altura, Ann soube da existência de Alina Kozak e Rui de Sousa quando se apercebeu que estes estavam indevidamente a utilizar na sua página do Facebook (Soutal Nova) fotografias das entregas de comida que a sua equipa, e uma outra, fizeram em Kharkhiv e Odessa.
"Estão em Portugal enquanto fingem estar na Ucrânia"
Os dois estão a usar uma página da Laika Global Rescue - a organização que Ann fundou - "para se promoverem, usando a bandeira da nossa organização, e a usar as redes sociais para denegrir os que realizam um trabalho sério, chamando-nos de traficantes de cães".
"São criminosos, estão em Portugal enquanto fingem estar na Ucrânia", acusou.
Em Portugal, Carlos Gomes, que trabalha na área da segurança e é o presidente da associação 1122, que presta formação técnica e apoio humanitário, envolveu-se na recolha de fundos para combustível, bens materiais e medicamentos.
"A nossa missão era clara: Apoio médico em zonas de refugiados, entrega de alimentos a uma unidade militar em Lviv, fraldas e produtos para crianças num orfanato e ração para animais. No regresso, trouxemos um casal com três cães", disse à Lusa.
Enquanto preparava a missão e recolhia os fundos e meios recebeu a indicação de que Rui de Sousa estava a realizar ações do género e tentou um contacto, que não obteve qualquer resposta.
"Só quando colocámos na nossa página o que angariámos, o que tínhamos e o que íamos fazer é que ele nos contactou a dizer que também estava interessado em ir na nossa caravana", afirmou.
Por essa altura, adiantou, apercebeu-se que a página da Soutal Nova estava a publicar as imagens dos bens angariados pela associação 1122 e um apelo a donativos com o número da conta de Rui de Sousa.
"Eu contactei-o e disse que não podia estar a pedir ajuda humanitária para contas particulares e que ele tinha que justificar o que recebeu, pois as pessoas estavam a ficar muito incomodadas", recorda, alegando que foi ignorado por Rui de Sousa.
"Quando fomos para a Ucrânia, cumprir a nossa missão, ele continuou a colocar imagens, inclusive da nossa partida, e a apelar a donativos para a sua conta pessoal", disse.
Quando regressou da Ucrânia, Carlos Gomes apresentou queixa contra Rui de Sousa, por burla, na PJ de Aveiro.
Contactada pela Lusa, fonte da Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que existe um inquérito em investigação no DIAP Regional de Coimbra e que a informação recebida se reporta a factos suscetíveis de integrar o crime de burla. Existem queixas noutros países, nomeadamente nos Estados Unidos, segundo informações recolhidas pela Lusa.
À Lusa, Rui de Sousa afirmou desconhecer qualquer investigação em curso e que nenhuma autoridade o contactou até ao momento.