O mundo tem de reduzir para metade as emissões de gases com efeito de estufa até 2030, para limitar o aquecimento global a 1,5 graus celsius neste século, adverte um novo relatório da organização da ONU sobre Alterações Climáticas, divulgado esta segunda-feira.
Divulgado após uma semana de reuniões na localidade alpina de Interlaken (Suíça), este 6.º relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC na sigla em inglês) sintetiza todos os outros cinco documentos elaborados pelos peritos desde 2015, assinalando que na década de 2011-2020 o planeta aqueceu 1,1 graus celsius (ºC) em relação aos níveis pré-industriais (1850-1900)
“A Humanidade caminha sobre gelo fino – e esse gelo está a derreter rapidamente”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, adiantando que o mundo “necessita de ação climática em todas as frentes – tudo, em todos os lugares, ao mesmo tempo”, numa referência ao filme mais premiado na última cerimónia dos Óscares, “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”.
A síntese de nove anos de trabalho do IPCC lembra a necessidade de a humanidade agir de modo radical durante esta década crucial para garantir "um futuro habitável".
Este relatório-síntese, que sucede ao de 2014 e não terá equivalente na presente década, é “um guia de sobrevivência para a Humanidade”, sublinhou Guterres.
Em declarações à agência France-Presse, o presidente do IPCC, Hoesung Lee, considerou que o relatório “é uma mensagem de esperança”.
“Temos o conhecimento, a tecnologia, as ferramentas, os recursos financeiros e tudo o que precisamos para ultrapassar os problemas climáticos que identificamos”, disse, considerando que apenas falta “uma vontade política forte para os resolver”.
Se não for feito o necessário, o aquecimento global chegará a 1,5 °C acima dos valores da era pré-industrial nos anos 2030-2035, alertou o IPCC no relatório, adiantando que a projeção é válida em quase todos os cenários de emissões humanas de gases com efeito estufa (GEE) no curto prazo, dado a sua acumulação ao longo do último século e meio.
As emissões de dióxido de carbono (CO2) das infraestruturas assentes em combustíveis fósseis existentes seriam suficientes por si só para se atingir os 1,5 ºC, se as mesmas não fossem equipadas com meios de captura do CO2.
Mas “reduções profundas, rápidas e prolongadas das emissões (…) levariam a um abrandamento visível do aquecimento global em cerca de duas décadas”, indicou o grupo de cientistas.
“Este relatório-síntese destaca a urgência de tomar medidas mais ambiciosas e mostra que, se agirmos agora, ainda podemos garantir um futuro habitável para todos”, disse Hoesung Lee.
Os peritos assinalaram no relatório de 2014 que “para qualquer nível de aquecimento futuro, numerosos riscos associados ao clima são maiores do que o estimado”, com base na multiplicação observada de fenómenos climáticos extremos, como as ondas de calor, e novos conhecimentos científicos.
“Devido ao inevitável aumento do nível do mar, os riscos para os ecossistemas costeiros, pessoas e infraestruturas continuarão a aumentar além de 2100”, adiantaram.
A climatologista Friederike Otto, coautora da síntese, referiu, por seu turno que “os anos mais quentes vividos até agora estarão entre os mais frios dentro de uma geração”.
Os últimos oito anos já foram os mais quentes registados a nível global e a previsão de Otto é correta “quaisquer que sejam os níveis de emissão de gases de efeito estufa”, indica a AFP.
Os especialistas asseguraram, no entanto, que os benefícios económicos e sociais de limitar o aquecimento global são maiores que o custo das medidas que é necessário realizar.
“De 2010 a 2019, os custos caíram de forma sustentável para a energia solar (85%), energia eólica (55%) e baterias de lítio (85%)”, segundo a síntese.
Além do efeito sobre o clima, os esforços acelerados e sustentados "trariam muitos cobenefícios, nomeadamente para a qualidade do ar e para a saúde", assinalaram os cientistas, que não esconderam o preço a pagar, considerando que "no curto prazo, as ações requerem investimentos iniciais elevados e mudanças potencialmente radicais".
O consenso científico do IPCC será a base factual para as intensas negociações políticas e económicas dos próximos anos, a começar pela 28.ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), marcada para dezembro no Dubai, onde será apresentada uma avaliação inicial dos esforços de cada país no quadro do acordo de Paris sobre redução de emissões de GEE e onde o futuro dos combustíveis fósseis será negociado de modo duro.
Um dos temas de discussão da COP28 será também o das "perdas e danos" causados pelo aquecimento global e que afetam de modo desproporcionado os países mais pobres.
“A justiça climática é crucial porque aqueles que menos contribuíram para as mudanças climáticas são afetados de forma desproporcional”, disse Aditi Mukherji, um dos autores da síntese.
Redução para metade ainda é possível
A associação ambientalista ZERO assinalou hoje que ainda é possível reduzir as emissões de combustíveis para metade até 2030, considerando que os próximos sete anos são “essenciais para decidir o destino” da humanidade.
Reagindo à divulgação hoje, na Suíça, do 6.º Relatório Síntese do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), a ZERO assinala que os peritos consideraram “difícil, mas exequível” o objetivo de manter o aquecimento global abaixo dos 1,5ºC, desde que haja “vontade política”.
Em 2015, em Paris, a quase totalidade dos países membros das Nações Unidas comprometeu-se a limitar o aquecimento global a um aumento de 1,5 graus celsius (°C) acima dos valores pré-industriais, mas “as atuais políticas” têm conduzido a “uma aproximação dos 3°C”.
A “melhor forma” de conseguir travar a crise climática é eliminando os combustíveis fósseis, recorda a ZERO, sublinhando que “as soluções para o conseguir existem”, nomeadamente tecnológicas.
Segundo a organização não-governamental, "a diferença entre 1,5 e 2 graus não é de 0,5 - os impactos seriam duas vezes piores ou mais para muitos riscos (acesso a água potável, perda de biodiversidade, aumento da pobreza e imigração, entre muitos outros)".
“O custo da inação será muito mais elevado de muitas perspetivas diferentes: Quer financeira, quer socialmente e também para governos, empresas e famílias”, refere a associação ambientalista, acrescentando que o relatório do IPCC “mostra os enormes benefícios do desenvolvimento sustentável, da rápida implementação da energia solar e eólica e de outras utilizações de energias renováveis, bem como do aumento da poupança de energia, com custos maciçamente reduzidos”.
Lembrando também que os “impactos climáticos” já afetam todos no planeta, “mas não da mesma forma”, a ZERO exorta os que “historicamente poluíram muito mais” a fazerem um maior esforço para a necessária redução das emissões globais de gases com efeito de estufa “em pelo menos 43% até 2030”.
“O relatório do IPCC avalia a Europa como a 2.ª maior região historicamente emissora (1850-2019) depois da América do Norte”, refere o comunicado, advertindo que “no caso de as emissões de gases com efeito de estufa continuarem a crescer, os 1,5°C poderão ser atingidos em 2030-2035.”
“Há uma razão pela qual se fala sobre um aumento máximo da temperatura de 1,5° Celsius. Não é um desejo, nem uma palavra da moda... É um alvo de sobrevivência científica. Por mais dramática que seja, a equação é bastante direta: Conhecemos os problemas e as soluções, resta a vontade política”, indica o presidente da ZERO, Francisco Ferreira, citado no comunicado.
Em relação à União Europeia (UE), a ONG considera que “o Pacto Ecológico Europeu tem de ser mais ambicioso” e que o bloco “deverá atualizar” a meta de redução das emissões em 55% para “pelo menos 65% até 2030 em relação a 1990” para “ser compatível com o Acordo de Paris”.
Defendendo que “os países da UE precisam de refletir objetivos à escala nacional na revisão em curso dos seus Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC)”, a ZERO alerta que, no caso de Portugal, é necessária “uma muito melhor gestão da procura de energia, com destaque para as medidas que proporcionem efetivamente uma redução nas emissões no transporte rodoviário individual, edifícios mais confortáveis e eficientes e investimentos em fontes de energia renovável aplicados de forma sustentável”.
“Precisamos que a União Europeia, e Portugal em particular, sejam líderes climáticos e contribuam de forma séria e coerente para nos tirar das muitas crises que enfrentamos, dando um impulso histórico e de uma vez por todas, comprometendo-se publicamente com o que todos sabem que precisa acontecer para evitar consequências ainda mais terríveis: descartar os fósseis combustíveis e protegendo as pessoas e o planeta”, afirma Francisco Ferreira.