Quando o Fado in Chiado começou, ainda o fado não tinha sido classificado pela UNESCO como património imaterial da Humanidade e Lisboa ainda não estava na moda, como hoje. Há 10 anos que todos os dias, exceto ao domingo, às sete da tarde e durante 50 minutos o fado se mostra aos turistas que chegam em cada vez maior número à capital portuguesa. Pela sala de concertos do Teatro de Artes Cénicas já passaram mais de 154 mil espectadores em quase três mil espetáculos.
Criado pela Genius y Meios, empresa do grupo Renascença, o Fado in Chiado tem sido uma aposta pioneira na divulgação da canção nacional junto de quem nos visita. Uma das protagonistas atuais do espetáculo é a fadista Rute Soares que, desde há 3 anos, sobe ao palco com o fadista André Vaz e os guitarras Fernando Silva e João Silva para um final de tarde que é sempre diferente consoante o público que se senta na plateia.
Em entrevista à Renascença, a fadista conta que neste espetáculo pretende dar uma panorâmica do fado. “Todos os dias há um alinhamento, mas nunca é igual.” Em causa está, diz a interprete, não só “o público, como o estado de espírito dos colegas”. Para ela, cada espetáculo “acaba por ser uma experiência nova e muito enriquecedora”.
Rute nasceu para a música com outros ritmos. A fadista, que começou por fazer substituições no Fado in Chiado antes de integrar o elenco permanente, recorda que a sua mãe “dizia que quando era pequena andava sempre a cantarolar e punha os mais pequenos sentados” para a ouvirem. Para o fado só despertou quando tinha 18, 19 anos.
Embora sem ligações familiares à música, Rute Soares conta que era “muito virada para o rock e o heavy metal” e que começou “a ir a karaokes, por brincadeira”. Mas um convite “para ir a uma matiné de fados para idosos” trocou-lhe as voltas.
Hoje, está diariamente no Fado in Chiado, um espetáculo que, nas palavras de um dos seus impulsionadores, Luís Salgueiro, diretor da Genius y Meios, começou porque “em Lisboa, quem visitava a cidade não tinha um conteúdo cultural que não implicasse a gastronomia”. Nas palavras de Salgueiro, era uma “lacuna em termos de conteúdo cultural” porque ir aos fados implicava sempre uma ida a uma casa de fados, com jantar incluído. Daí a aposta neste espetáculo de curta duração, “antes do jantar”, para que “quando saíssem dali os turistas pudessem ir onde quisessem nas mais variadas ofertas que aquela zona do Chiado tem”, explica à Renascença.
A aposta, que já soma 10 anos de vida, já juntou na plateia várias nacionalidades. Os franceses lideram, seguidos dos espanhóis, alemães, brasileiros, norte-americanos, israelitas, italianos, asiáticos ou polacos. No olhar dos hoteleiros, esta é uma forma diferente de oferecer fado a quem nos visita, explica Pedro Ribeiro, diretor do Hotel D. Pedro em Lisboa.
“Veio trazer uma nova forma de o turista se relacionar com o fado. Trouxe uma forma mais fácil e ligeira de terem, pela primeira vez, um contacto com um espetáculo de fado. Antigamente, um turista em Lisboa tinha de ir a uma casa de fado para um espetáculo mais longo, também com um custo mais elevado, e tinha de jantar. Aqui é um espetáculo ao fim do dia, tem um contacto com o fado mais organizado e ligeiro. Tornou-se uma nova forma de o turista ter este contacto.”
As mudanças na vaga turística para Portugal têm também alterado a plateia do Fado in Chiado, explica Luís Salgueiro. “No início havia aquele público tradicional de turismo, os espanhóis, franceses, brasileiros e alemães. Estes eram os grandes destinos que nos visitavam. Depois com o alargar do turismo, a Ásia veio também, a América Latina - que não só o Brasil - a França mantém-se, mas essencialmente o que notámos foi a Ásia.”
Todos saem satisfeitos do espetáculo. À porta encontramos testemunhos disso. De França e da Alemanha vem um casal que nos explica que é a primeira vez que está em Lisboa e que encontrou no Fado in Chiado “um ótimo espetáculo com dois cantores", em que "a cantora tem uma ótima voz”.
Também agradecido pela experiência está um casal de argentinos que vive em França há 14 anos, também na sua primeira vez em Lisboa. À Renascença, dizem que estão “muito contentes” por ter ido ao espetáculo porque gostam “muito do fado”, mas explicam que não sabiam muito e que gostaram “de descobrir a guitarra portuguesa”. Sabem dizer a palavra portuguesa "saudade", mas encontraram também no fado “algo de alegria e não é só nostalgia”.
Mesmo que não falem português, há algo que se entranha. É aí que o fado acontece, reconhece a fadista Rute Soares. “Nunca sabemos muito bem quem vamos encontrar em cada fim de tarde que atuamos. Existem públicos mais desafiadores que outros. Existem públicos em que nós entramos e já estão a bater palmas e há outros que nós temos de puxar mais por eles. Fazemos o nosso melhor para que as pessoas saiam satisfeitas.”
Fado in Porto, servido nas Caves Calém há 8 anos
O Fado in Chiado tem um irmão mais novo. Desde há 8 anos que as caves Calém, no cais de Gaia, recebem o Fado in Porto. Aqui, o fado é servido com um Porto de honra. O fadista Filomeno Silva, um dos protagonistas, fala em sucesso.
“É a combinação perfeita. Assistem a um programa que está previamente estabelecido, mas que todos os dias é inovador, porque há temas que têm de ser rotativos. Quem vier cá pode vir uma vez por semana ou periodicamente, porque não assiste ao mesmo espetáculo.”
Com a fadista Ana Pinhal, Filomeno Silva – também ele autor de alguns dos fados interpretados, como "Senhor d’Além" – dão corpo a um espetáculo servido num local onde o cheiro doce do vinho do Porto está presente. Para este fadista, o ambiente das caves assemelha-se ao de uma casa de fado. “É tudo em pedra, é rústico, escurinho. Assemelha-se bastante e houve alturas em que se confundia com as casas de fado.”
Lá fora pela janela vemos o Rio Douro e a Ponte D. Luís, na outra margem a Ribeira do Porto cheia de turistas. Luís Salgueiro, criador deste espetáculo, explica que o passo para a cidade invicta foi natural. “Andámos a pesquisar alguns locais para o Fado in Porto. Tínhamos algumas dúvidas. Para mantermos um espetáculo seis ou sete dias por semana, todos os dias à mesma hora, a cidade e o destino têm de ter um fluxo enorme, porque senão não é viável economicamente. Andámos às voltas e pensámos: se o Porto tem algo que é um produto mundialmente conhecido é o vinho do Porto, as caves são muito visitadas, por que não juntar os dois?"
A parceria com a Sogevinus e as Caves Calém tem permitido juntar o fado e o vinho do Porto desde 2011. A experiência aqui também tem números que espelham o sucesso. Em oito anos, 2.500 espetáculos já receberam 115 mil espectadores de 60 nacionalidades.
De cima do palco, Filomeno Silva vê o público emocionar-se, às vezes tocados por outros motivos que não só o fado. O intérprete conta à Renascença que “é normal vermos as pessoas até a chorar", incluindo os turistas. Mesmo "não compreendendo as letras", sentem "a intensidade que damos na interpretação e às vezes comovem-se ao ver-nos cantar. Talvez haja alguma influência do vinho. É de facto uma combinação perfeita.”
À porta do espetáculo é possível registar a emoção com que o fado é sentido. Do Brasil, um grupo de turistas diz-nos que o “espetáculo é muito bonito e emocionante, toca o coração”. A comemorar dez anos desde que começou em Lisboa e com oito de história também no Porto, na hora do balanço Luís Salgueiro da Genius y Meios faz um balanço positivo.
“Este foi o primeiro projeto da Genius y Meios, quando o grupo Renascença criou a empresa. Se me perguntassem se ao fim de 10 anos ainda estaríamos em atividade, eu teria algumas dúvidas”, admite, sem esconder que “no princípio não era nada fácil”.
“Os operadores não estavam virados para esta opção. Estavam virados para a opção fado e gastronomia. Uns achavam que a hora não era boa, outros achavam que devíamos servir alguma coisa”, recorda o criador do Fado in Chiado.
Segundo Salgueiro, foi explicado várias vezes a esses operadores que “as grandes capitais da Europa, com grandes conteúdos culturais internacionais e reconhecidos, tinham este tipo de espetáculos". E "não só na Europa", garante, dando como exemplo um espetáculo de tango em Buenos Aires. "Porque é que Lisboa, tendo um conteúdo cultural como o fado, não podia ter um espetáculo sem estar associado à gastronomia?", perguntou-lhes na altura. "Foi um início difícil", assume o antigo radialista, "mas depois, pouco a pouco foram percebendo".