Passados 32 anos, a parte residencial do Palácio de Belém voltou a ser isso mesmo – residencial -, mas continua pouco usada. Em 2017, foram feitas obras para que o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, eleito há dois anos, pudesse lá ficar sempre que considere necessário. Mas Marcelo, ao que a Renascença sabe, tem usado pouco a residência, porque gosta de quartos pequenos com tudo à mão.
O último Presidente a usar com regularidade a parte residencial do Palácio de Belém foi António Ramalho Eanes, que lá viveu com a mulher e os dois filhos, então crianças. Mário Soares, ocasionalmente, dormiu lá umas sestas e Jorge Sampaio apenas lá terá dormido uma noite.
As obras feitas no ano passado foram, segundo foi garantido à Renascença, minimais: passaram sobretudo por uma pintura nova nas paredes dos quartos, um colchão e roupa de cama novos e um arejamento dos espaços que chegaram a ser usados para arrumos.
A parte residencial do Palácio tem uma sala de entrada, uma sala de jantar, mais duas salas de estar, dois quartos, escritório e uma copa. A cozinha é no andar de baixo e num andar acima há ainda uma outra sala (que Soares usava para fumar) e um salão com piano e mesa de snooker. Esta parte da residencial oficial do Presidente da República tem ainda um jardim interior com piscina.
Tudo espaço a mais para o Presidente Marcelo, que gosta de quartos pequenos e de ter tudo à mão para não perder tempo. E foi, precisamente, para não perder tempo que começou a ficar algumas vezes em Lisboa. Depois de eleito, Marcelo continuou a viver na casa numa rua estreita no centro de Cascais onde já vivia. Mas quando tem compromissos cedo em Lisboa prefere ficar na capital para não perder tempo.
Algumas vezes ficou em hotéis, marcando ele próprio a dormida com um nome falso e causando algum alvoroço nas recepções quando aparecia o Presidente e queriam dar-lhe uma suite em vez do quatro económico que tinha marcado. Acontece o mesmo em visitas oficiais quando o querem pôr em suites e o Presidente prefere um quatro pequenino com tudo à mão.
“Quem convida considera que é uma forma de receber bem dar uma suite que nunca mais acaba, que tem um quarto mais um escritório, mais uma cozinha, mais outro quarto, mais duas casas de banho, mais uma sala de jantar… E por vezes o escritório está na outra ponta da suite e não dá jeito nenhum deixar lá o computador”, explicou, há tempos, o Presidente numa conversa com alunos de uma escola.
“Exijo os quartos mais pequenos, o que é uma ofensa, mas eu preciso de demorar o mínimo tempo possível porque tenho o mínimo tempo possível “, justificou.
O mesmo se passa em Belém onde a parte residencial é considerada por Marcelo demasiado grande para um Presidente inquieto, que não gosta de perder tempo e que, apesar de gostar de improvisar, tem hábitos fixos.
“Gosto de despistar a segurança”
Numa aula sobre cidadania, em Outubro, nos Açores, o Presidente contou às crianças muitos dos seus hábitos.
Primeiro, o pequeno almoço. “Começo o dia comendo uma banana e um iogurte ou dois ou duas bananas só. É o meu pequeno-almoço”, contou, lamentando que agora nem sempre seja possível ir logo a seguir nadar no mar perto de casa como costumava fazer antes de ser eleito.
Depois, Marcelo lê os jornais. Ou relê, já que antes de dormir, pelas 3 ou 4 horas da madrugada já leu na internet o mais importante. “Mas por vezes há mais qualquer coisa que sai no papel…”, pelo que é melhor reler. Também lê os jornais estrangeiros: um espanhol, um francês e um inglês.
Se não tem compromissos, o Presidente fica em casa ou vai para Belém preparar discursos, ler cartas ou mails ou correio diplomático e responder ao que precisa de resposta. Mas, muitas vezes, tem visitas. Programadas ou decididas por ele próprio em cima da hora.
“Tenho uma escola, uma conferência, um congresso … ou porque está organizado ou porque eu improvisei, eu disse ‘olha aconteceu isto, vamos a este sítio’. E aí é uma perturbação porque a segurança fica muito nervosa. Gostam de andar sempre a ver se não há criminosos à minha espera e eu gosto de despistar a segurança”, conta o Presidente, assumindo que tem sido um problema para o serviço da PSP que o acompanha em permanência.
Mesmo quanto as visitas são programadas, Marcelo também faz questão e tem gozo em ultrapassar o programa. “As visitas normalmente são muito bem preparadas e são preparadas para um Presidente ideal, que é um Presidente disciplinado que não tem ideias de última hora, que não beija gente a mais e não tira selfies a mais”, diz, passando a definir-se como um “Presidente indisciplinado”.
E o que é um Presidente indisciplinado? “É um Presidente que entra, começa a beijar o que encontra pelo caminho, dá 'mais cinco' a não sei quantos alunos, chega à aula dez minutos mais tarde; a aula demora não o que era suposto, mas mais um bocadinho; sai, portanto, com meia hora de atraso quando não é três quatros de hora, o que é um quebra-cabeças para quem organizou e tem de estar já nos outros sítios e tem de ir ajustando tudo.”
Queijo a todas as horas
Também as suas horas e hábitos de almoço obrigam a ajustes. Quanto está em Belém, o Presidente come apenas uma sandes ou uma tosta de queijo e um sumo de ananás. Porque gosta e para não perder tempo.
“Aproveito para marcar audiências, reuniões ao meio-dia e meia, uma, uma e meia, duas, duas e meia, três horas, às horas a que outras pessoas almoçam, pelo que estrago o almoço de outras pessoas que têm de almoçar mais cedo ou mais tarde”, Marcelo por si próprio a reconhecer que também gosta de estragar os planos de almoço das outras pessoas.
Bananas ao pequeno-almoço, queijo ao almoço e queijo ao jantar. A dieta do Presidente não é variada.
“Janto tarde e janto muito porque me deito tarde”, começa por dizer Marcelo. Mas o seu muito é um prato preferido: queijo com tomate, uma salada com rúcula a acompanhar, com vinagre balsâmico e azeite. Se é no Verão ou na Primavera, gosta de comer com gelado.
Depois, noite fora e antes de ter os jornais disponíveis na net, o Presidente continua a ler: mails, cartas ou correio diplomático. Marcelo deita-se tarde e gosta de alimentar o mito de que dorme pouco. Mas na verdade, não gosta de acordar muito cedo e raramente tem agenda antes das 11h00.
Presidente “minhoquinhas” que adora compras
É também e madrugada que gosta de fazer e desfazer malas quando tem de viajar. “Adoro fazer malas e desfazer malas. Claro que quando são viagens muito complicadas tenho uns senhores que ajudam, mas como sou muito muito minhoquinhas gosto de organizar tudo nos mesmo sítios”, confessa Marcelo, que também “adora” andar às compras.
“Adoro fazer compras. para saber quanto é que custam os produtos, para saber o que os meus fornecedores pensam do estado do país.... Senão, o Presidente só ouve políticos e os políticos dizem-lhe sempre aquilo que ele já está à espera que eles digam”, disse Marcelo, em Outubro, nos Açores.
Uma ocasião em que também explicou as suas principais tarefas. “O mais importante na vida do Presidente divide-se entre ler e estudar documentos, abrir mails e responder a mails, receber pessoas e reunir para ajudar a resolver problemas, visitar as pessoas para ouvir as pessoas. e depois ainda ter tempo para nadar ou fazer aquilo que gosto de fazer. Aí é que entra a minha imaginação: aproveitar duas horas, hora e meia, uma hora para ir fazer compras”, disse.
Foi também nessa ocasião que assumiu que foi mais fácil para si chegar a Presidente da República do que a Cavaco Silva ou Ramalho Eanes. Marcelo considera-se um “privilegiado” pela vida que teve, pelas possibilidades que lhe foram sendo dadas.
A começar logo na infância, por ter isso para a então chamada “infantil” com pouco mais de um ano, quando a generalidade das crianças não tinha ensino pré-primário. Depois, pela vida fora, pela educação que teve, pelos livros que pode comprar, pelos amigos que o acompanharam, pelos clubes de debate em que pode participar.
“Portanto”, conclui Marcelo Rebelo de Sousa, “tem menos mérito eu chegar a Presidente da República do que tem, por exemplo, o Presidente Cavaco Silva, que partiu de um ponto de partida pior do que o meu. Ou o Presidente Eanes. Mas o Presidente Mário Soares e o presidente Jorge Sampaio partiram de uma linha próxima daquela que eu parti. E eu tenho sempre presente isso: ao longo da vida fui sempre privilegiado e quem é privilegiado tem o dever de dar mais que os outros.”