Vincent Lambert está em Estado Vegetativo Persistente (EVP). Neste caso específico, o EVP surgiu em consequência de um traumatismo craniano após um acidente de carro em 2008 tendo deixado o doente com profundas sequelas a nível neurológico.
Tal como em casos similares, Vincent Lambert ficou sem capacidade de pensar ou agir conscientemente, mas respira sozinho e o seu coração trabalha espontaneamente. Ou seja, de acordo com os critérios estabelecidos pelo 'Royal College of Physicians of London' os doentes em EVP além de terem as funções do tronco cerebral e do hipotálamo suficientemente preservadas para manutenção da respiração e da circulação autónomas podem, também, exibir movimentos ocasionais da cabeça e olhos em direcção a um som ou um movimento, assim como mover o tronco e os membros sem objectivo definido, sorrir ou produzir esgar à dor provocada. O prognóstico pode ser determinado com um grau aceitável de segurança, e só excepcionalmente é imprevisível.
Ou seja, é perante esta situação que um conjunto de instituições se de têm pronunciado de forma contraditória; evidentemente que o associar estas decisões à questão da eutanásia não favorece, por certo, a tomada de uma decisão consciente e sem viés. Esta situação não é eutanásia! Nem tão pouco pode ser considerada terminal.
A eutanásia é a morte intencional de uma pessoa a seu pedido, ou seja, há um pedido para ser morta por outra pessoa, que o acolhe e executa com um acto intencional o que, realmente, não tem nada a ver com o caso em análise.
A complexidade desta questão reside em várias premissas; (1) temos um doente que não necessita de suporte artificial para manutenção da respiração e da circulação; (2) neste caso específico, sem qualquer declaração antecipada de vontade formal; (3) com posições divergentes entre os diferentes familiares; (4) com duas avaliações clínicas diferentes que confirmam a impossibilidade da situação reverter. Assim, é perante este cenário teremos de nos perguntar qual é o melhor bem para a pessoa e quem o determina. No entanto, para aumentar a complexidade da decisão, não precisando o doente de suporte artificial cardiorrespiratório necessita de alimentação e hidratação artificial.
Ora, matar ou deixar morrer este doente terá que passar pela remoção da alimentação e da hidratação. Mas neste caso deverá a alimentação e a hidratação ser considerado um tratamento proporcionado ou desproporcionado, ou seja, pode ou não o suporte artificial de alimentação e hidratação ser removido. Se retiramos a alimentação e a hidratação estamos a deixar morrer ou a matar? A alimentação e a hidratação devem ser suspensas quando são inúteis para o doente e, de facto isso, só pode se determinado de forma casuística: depende sempre da doença num doente específico e não pode, de forma nenhuma, ser generalizado. De facto, matar nunca é a solução, mas tentar, de maneira dolorosa e inútil, prolongar uma agonia em que já não há resposta do doente nem possibilidade de reversão, também pode não ser a resposta mais adequada na lógica personalista e humanista.
Qualquer análise da situação relativa a uma pessoa em Estado Vegetativo Persistente deve ser extremamente cautelosa e partir de um diagnóstico rigoroso sobre o seu estado clínico e, de preferência, no recato de um espaço onde a família e os profissionais de saúde sejam tratados com respeito mútuo e consigam perante casos de enorme intensidade moral, como este, construir uma relação de verdade e de confiança em que seja claro para todos que, independentemente da nossa posição, estamos todos com um objectivo comum: respeitar os valores a dignidade da pessoa doente. Mas, além disso, é necessário cada um ter a sensibilidade moral para ouvir, respeitar e tentar perceber a posição de quem pensa de outra forma. Se este exercício de humildade moral tivesse acontecido estou certa que não necessitaríamos de outros para contrariar ou apoiar o nossa posição…
Ana Sofia Carvalho, Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa