"Se ele vencer as eleições presidenciais em outubro, será o regresso político da década -- senão do século."
Assim arranca a entrevista que o "Financial Times" publica esta segunda-feira com Luiz Inácio "Lula" da Silva, o antigo Presidente do Brasil que, depois de ter abandonado o poder em 2010 com uma taxa de aprovação superior a 80%, e de, anos depois, ter passado mais de um ano na prisão por corrupção, parece ser agora o favorito dos brasileiros para voltar ao Palácio do Planalto.
"Estou muito triste porque, 12 anos depois de ter deixado a presidência, deparo-me com um Brasil mais pobre", lamenta o antigo governante, que anunciou a recandidatura à presidência, em maio deste ano, para acabar com a "gestão irresponsável e criminosa" do país ao leme de Bolsonaro. "Deparo-me com mais desemprego, mais pessoas a passarem fome e o Brasil com um Governo com fraca credibilidade dentro de portas e lá fora."
A três meses da primeira volta das presidenciais, marcada para 2 de outubro, não poupa críticas a Jair Bolsonaro, que se tornou Presidente em 2018 enquanto Lula passava 580 dias numa prisão federal sob acusações de corrupção, no âmbito da operação Lava Jato, que teve sobretudo na mira o seu Partido dos Trabalhadores (PT).
"Se houve corrupção, foi investigada e as pessoas pagaram o preço por terem cometido erros", destaca Lula quatro anos depois, antes de acusar: "O que aconteceu no Brasil em 2018 foi uma ação política para destruir a imagem de muitas pessoas e me impedir de ser Presidente."
Questionado sobre se o atual Presidente poderá seguir a cartilha de Donald Trump e tentar um golpe para se agarrar ao poder caso não vença nas urnas, Lula responde confiante: "Bolsonaro é uma pessoa que faz muito 'bluff', estaria sozinho" caso pretendesse encetar um golpe.
Também aponta a mira à generalidade dos empresários que o criticam pelo que dizem ser o seu extremismo de esquerda e a falta de ideias novas, recordando o criticismo que enfrentou quando o PT formalizou o emprego de trabalhadoras domésticas:
"A elite brasileira tem uma mentalidade de proprietários de escravos. Sabe o que dizem aqui no Brasil quando o trânsito está mau? 'É uma desgraça que Lula tenha permitido que os pobres andem de carro'."
A três meses das eleições no Brasil, também Marcelo Rebelo de Sousa "entrou" na corrida eleitoral ao decidir encontrar-se com Lula da Silva numa viagem oficial ao país na semana passada, o que levou Bolsonaro a cancelar o encontro que tinha marcado com o homólogo português em Brasília.
Questionado sobre quais serão as suas prioridades caso vença as eleições, Lula cita "as três palavras mágicas" para classificar a sua governação: credibilidade, previsibilidade e estabilidade.
Aos 76 anos, adianta, é um político "mais experiente, mais equilibrado e com um desejo ainda maior de acertar", nomeadamente no seu plano para acabar com o limite constitucional à despesa pública, defendendo a despesa social como um investimento e não um mero custo.
"Quando as pessoas pobres deixam de ser pobres e se tornam consumidoras de saúde, educação e bens, toda a economia cresce", refere, salvaguardando os receios de quem teme uma derrapagem nas contas. "Aprendi muito cedo com a minha mãe analfabeta que não posso gastar mais do que ganho."
Como forma de provar a sua moderação, aponta a escolha do centrista Geraldo Alckmin, em tempos seu rival eleitoral, para concorrer como seu vice-presidente. Sobre quem seria o seu ministro das Finanças, diz que vai escolher não um economista mas um político dotado aconselhado por um grupo de especialistas financeiros, como fez no seu primeiro mandato presidencial.
Entre as suas prioridades contam-se uma revisão das reformas laborais iniciadas quando o PT saiu do poder e uma reformulação do sistema tributário para que os ricos paguem mais impostos. Noutro plano, destaca que o Brasil tem de "fazer da preservação da Amazónia uma das suas principais prioridades".
De olhos postos na melhoria das condições de vida dos brasileiros, Lula responde com uma gargalhada quando interrogado sobre se conseguirá derrotar os dois grandes demónios que assombram o Brasil: a fome e a pobreza. "Se conseguir isso, meu caro amigo, vou direto para o céu."