Veja também:
- Os últimos números da pandemia em Portugal e no mundo
- Todas as notícias sobre a pandemia de Covid-19
- Guias e explicadores: as suas dúvidas esclarecidas
- Boletins Covid-19: gráficos, balanços e outros números
Numa só conferência de imprensa, Marcelo Rebelo de Sousa fez de ministro da Administração Interna, comandante geral da PSP e da GNR, ministro da Educação, porta-voz de pais e professores, diretor-geral da Saúde, comentador político e candidato presidencial. Pelo meio, como Presidente da República, anunciou a renovação do estado de emergência. Tudo isto numa sexta-feira Santa, dia de jejum de abstinência.
O Presidente tinha anunciado que iria passar os dias de confinamento municipal no Palácio de Belém e sem iniciativas públicas. Mas, na manhã do segundo dia, mudou de ideias.
Acordou, viu a manchete do "Correio da Manhã" que o colocava a dar indultos a homicidas e pedófilos, percebeu que o primeiro-ministro ia ao programa de Manuel Luís Goucha, e achou que não podia estar tanto tempo sem aparecer.
Marcelo, depois das duas semanas de confinamento, tem falado praticamente todos os dias, ora à porta do Infarmed, onde funciona quase como porta-voz do Governo, ora na varanda de Belém, onde vai dando conta das preocupações de quem vai recebendo ou comentando ou assuntos do dia, ora numa esporádica saída a um dos setores essenciais para a vida em estado de emergência, onde ‘atropela’ as conferências de imprensa e recomendações da direção-geral da Saúde. Tanta intervenção acaba por tirar peso ao que têm sido as melhores e mais ponderadas comunicações do Presidente: os dois momentos em que anunciou e justificou o estado de emergência e a sua renovação.
Esta sexta-feira, o objeto anunciado da comunicação do Presidente – chama-se assim porque parece mal dizer que o chefe de Estado faz conferências de imprensa – era o comportamento dos portugueses durante a Páscoa. Mas era claro que Marcelo queria falar sobre tudo o que se tinha passado nas últimas 24 horas no país e na Europa, senão mesmo no mundo.
E queria, sobretudo, desfazer a ideia de que está a colaborar com a libertação de criminosos. Já tinha feito uma nota publicada no site da Presidência, mas deve ter achado que não era suficiente.
A forma como o Presidente está a lidar com o regime excecional para os presos mostra bem como Marcelo é: há um lado humanista que se compadece de situações que podem ser aliviadas, mas depois o Marcelo político não gosta das críticas, não gosta de polémica à volta que decisões que o envolvam e receia ser ele próprio razão de populismos.
Marcelo começou por concordar, pelo menos genericamente, com o que o Governo propunha para libertação excecional de presos no âmbito do combate à Covid-19. De tal forma, que as medidas incluem um indulto presidencial que o Governo não teria metido na lei se não tivesse tido concordância prévia do Presidente. E o Presidente colocou a abertura para esse regime excecional no seu decreto de renovação do estado de emergência.
Contudo, face à proposta de lei em concreto, percebeu-se que não era unânime. E não era só André Ventura que era contra. A lei nem sequer tinha o consenso do PSD, que tantas medidas tem apoiado nesta crise.
O regime excecional acabou aprovado com os votos contra de PSD e CDS, os partidos que representam o eleitorado de Marcelo, para além dos votos contra também do Chega e da Iniciativa Liberal. A versão final da lei, contudo, ainda acolheu propostas de alteração de vários partidos, do PCP ao CDS, que mesmo tendo votado contra conseguiu incluir na lei que não podem ser libertados condenados por crimes contra as autoridades.
Também por uma alteração na especialidade, mas proposta pelo PS, ficou claro que os mesmos crimes que eram exceção para o perdão de penas (homicídio, crimes sexuais, violência doméstica ….) eram também exceção para os indultos.
Todo o processo legislativo foi muito rápido – generalidade, especialidade e votação global na quarta – e o Presidente promulgou a lei na quinta-feira ao fim do dia. Mas a sentir necessidade de se respaldar em posições da ONU e da Igreja. ”Atendendo a determinantes razões éticas, humanitárias e de saúde pública, assim como à Recomendação das Nações Unidas e os apelos como o da Igreja Católica Portuguesa, que superam dúvidas suscitáveis por certas disposições do regime aprovado, o Presidente da República promulgou o Decreto que aprova o regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença Covid-19”, lê-se na nota.
Ou seja, se alguma coisa correr mal, o Presidente afinal até tinha dúvidas, mas atendeu a razões humanitárias e de saúde publica e até é apoiado pelo ONU e pela Igreja.
É o Presidente que temos: sobra-lhe em humanidade o que lhe falta em sentido de Estado. Mas antes assim do que o contrário.
Dados da Covid-19 em Portugal