A escolha do Programa Alimentar Mundial (PAM) como Prémio Nobel da Paz, nesta sexta-feira, é uma “distinção atípica e extraordinária”, diz a presidente do Banco Alimentar Contra a Fome.
“É um reconhecimento que traz muita responsabilidade. Atribui a um alimento mais que o valor nutritivo; dá-lhe a importância que tem também na promoção da paz, da coesão social e da solidariedade”, sublinha Isabel Jonet, em declarações à Renascença.
O prémio compromete, assim, cada um de nós e os governos também, sublinha. “Compromete todos: países, políticos, cada um de nós para esta necessidade de se garantir alimentação a todas as pessoas”.
Na opinião de Isabel Jonet, a ajuda alimentar é cada vez mais importante, mas deve ser feita promovendo a autonomia. “Estas ajudas devem ser concedidas sempre em parceria promovendo a autonomia para não se prolongar ‘assistencialismos’. Devem ser feitas de forma coerente e coordenada, para que a longo prazo não sejam necessárias”.
Em Portugal, diz a presidente e cara do Banco Alimentar, depois de um Verão com menos pedidos de ajuda, regressam as chamadas.
“No Verão houve melhoramento da situação até porque houve turismo e isso fez com que algumas empresas pudessem contratar. Verificamos agora que tudo isto tende a abrandar. Há muitas pessoas que ainda não voltaram ao emprego que tinham e há muitos em lay-off, ganhando parte do salário, o que não chega para as suas despesas”, relata.
Amnistia Internacional. “Fome tem aumentado”
É um “anúncio pertinente”, diz à Renascença o presidente da Amnistia Internacional Portugal. Pedro Neto sublinha que o aumento da fome no mundo é uma realidade.
“É um anúncio bastante pertinente, uma vez que a fome no mundo tem aumentado e o próprio risco de a fome crescer tem aumentado significativamente, muito devido à pandemia e também às alterações climáticas, que põem em causa o cultivo da terra, as questões da monocultura e o combate à fome e a sustentabilidade das próprias populações”, sustenta.
Pedro Neto aponta exemplos de conflitos que têm contribuído para o aumento da fome mundial.
“Falamos, por exemplo, da República Democrática do Congo, do conflito no Iémen, do Sudão do Sul, da guerra que se alastra na Síria, da questão toda da instabilidade dos milhões de refugiados que não têm acesso fácil a alimentos e seguro e também de um caso muito evidente e que nos é próximo, que é a situação que se vive hoje em Moçambique, nomeadamente em Cabo Delgado, onde a população sofre imenso com a violência e não pode fazer este exercício tão diário e normal de antes que era cultivar as suas próprias machambas, as suas próprias terras para garantir o seu alimento”, descreve.
Helpo “muito orgulhosa”
Carlos Almeida, coordenador nacional da Helpo em Moçambique, considera a escolha do PAM para Nobel da Paz como mais do que merecida.
“Nós recebemos esta informação com muito orgulho, porque achamos que é muito merecido. Há muitas partes do mundo onde há fome e há conflitos e se a alimentação estiver salvaguardada, acreditamos que vamos ter um mundo melhor”, afirma à Renascença.
A Helpo é uma organização não-governamental para o desenvolvimento portuguesa (ONGD) que desenvolve projetos, sobretudo, na área da educação, mas que presta também ajuda alimentar às populações da região de Cabo Delgado (Moçambique).
Carlos Almeida agradece o apoio que o Programa Alimentar Mundial deu e continua a dar naquele país e lembra que, em muitos casos, é a fome que está na origem de muitos conflitos.
“Um reconhecimento extensível” a outras organizações, diz Cáritas
“É com satisfação que vejo esta distinção. É o reconhecimento deste organismo das Nações Unidas, mas extensível também a todas as organizações mundiais que se preocupam em assegurar alimentação a milhões de seres humanos”, afirma Eugénio Fonseca à Renascença.
O presidente da Cáritas vê no Nobel da Paz deste ano “uma oportunidade para que se tome consciência de que a erradicação da fome no mundo está ao alcance dos países, de todos, particularmente os que têm mais capacidades económicas”.
“Seria bom que fossem concretizados os compromissos que nas Nações Unidas, nomeadamente os países mais ricos distribuírem uma percentagem do PIB nacional para causas como esta”, exorta.
Eugénio Fonseca cita depois o Papa Francisco para lembrar que “permitir que alguém passe fome é um ato criminoso”.
“É preciso terminar com este crime mundial e permitir que todos, em particular as crianças, tenham acesso a uma alimentação condigna” e “este prémio é uma possibilidade de se tomar consciência de que é urgente resolver” o problema da fome, realça.
ONU contra a fome
Várias organizações e agências das Nações Unidas também reagiram à atribuição do Nobel ao PAM.
Através da rede social Twitter, a UNESCO pede união de esforços para alcançarmos a “fome zero”.
Na mesma plataforma, a agência da ONU para a igualdade de género deu os parabéns à sua “irmã”.
“Estamos orgulhosos por trabalharmos juntos em todo o mundo, de modo a ajudar os mais necessitados e alcançarmos ‘fome zero’”.
A Organização das Nações Unidas realça a coragem de todos os que dedicam a sua vida ao Programa Alimentar Mundial e se esforçam para ajudar “pessoas devastadas pelos conflitos” e que não sabem quando será a sua próxima refeição.
O papel da ONU na escolha do Comité Nobel é também realçado pelo Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, que destaca o papel do secretário-geral da organização na defesa dos que mais sofrem.
Boris Johnson “orgulhoso por apoiar”
O primeiro-ministro britânico refere que o Reino Unido está “orgulhoso por apoiar a luta contra a fome” através do Programa Alimentar Mundial.
O Prémio Nobel da Paz foi conhecido a meio da manhã. O Comité norueguês decidiu eleger o Programa Alimentar Mundial “pelos esforços no combate à fome, pela contribuição para melhorar as condições para que haja paz em zonas de conflito e por agir como uma força motriz nos esforços para evitar a utilização da fome como arma de guerra”.
Segundo sublinhou a presidente do comité, Berit Reiss-Anderseno, “a relação entre a fome e o conflito armado é um círculo vicioso: a guerra e o conflito podem causar insegurança alimentar e fome, assim como a fome e a insegurança alimentar podem causar o surgimento de conflitos latentes e desencadear o uso da violência. Nunca alcançaremos a meta de fome zero, a menos que também acabemos com a guerra e os conflitos armados”.