“É um mistério sempre que aparece uma obra. E às vezes, mesmo passados 20 anos, não a compreendo”, diz Rui Chafes, vencedor do Prémio Pessoa 2015, em entrevista à Renascença.
É a primeira vez que um escultor é premiado com o Prémio Pessoa.
Como é que recebeu a notícia deste prémio?
Recebi-a com a maior surpresa e estupefacção. Não estava de todo à espera.
Não estava à espera? Mas podia acontecer. É um artista consagrado, em 2014 teve uma exposição antológica no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian…
Sim, mas há tantas pessoas também com carreiras interessantes e muito mais importantes, se calhar. Não estou certo de merecer o prémio, mas é uma coisa que não está nas minhas mãos, como é evidente.
Por que razão diz não merecer? É um dos artistas plásticos portugueses mais conceituados.
Vejo-me como um artista único, como são todos os artistas. Todos os artistas são únicos, todos os artistas são inconfundíveis. É assim que vejo o trabalho que tenho feito. Fico agora muito feliz de ver que há um reconhecimento... como dizer? Um reconhecimento entusiasta, se é que se pode falar nisso.
Como artista único que é, o que é o que faz único? Ou, por outras palavras, como é que gostaria que os outros o vissem, se é que pensa nas coisas nestes termos?
Gostaria até que não me vissem, que vissem só trabalhos. Não era preciso verem-me a mim. O trabalho só existe quando é visto pelos outros. Uma escultura só existe quando é vista, uma fotografia só existe quando é vista, uma pintura só existe quando é vista. Não existe arte escondida. Por isso, tenho tido a sorte de o meu trabalho ser visto, de o meu trabalho ser mostrado. No fundo, é isso: sou uma pessoa cheia de sorte. Isto foi mais um golpe de sorte. Sou uma pessoa cheia de sorte.
“Rui Chafes consegue o feito raro de produzir uma obra simultaneamente sem tempo e do seu tempo”, disse o júri do Prémio Pessoa. É uma frase que assenta bem à sua obra?
Eu acho que as obras de arte nunca têm tempo. As boas. As más têm um tempo que se esgota a seguir. Eu gosto de pensar que a minha obra não tem tempo, não se acaba, não se esgota agora, que as minhas obras de arte são intemporais.
Quando olha para trabalhos seus de décadas anteriores, ainda consegue relacionar-se com eles?
Consigo surpreender-me, fico sempre surpreso porque não consigo perceber por que é que fiz as coisas. Como é que as fiz compreendo; não consigo perceber por que é que as fiz. Há obras ainda misteriosas, e ainda bem. Fico muito contente quando sou surpreendido pelo próprio trabalho.
É curioso dizer isso porque há um lado mecânico e industrial na sua obra (nomeadamente, na forma como trabalha um material pesado, o ferro) e um lado mais lírico, poético. Domina o aspecto industrial, surpreende-se pelo poético?
É um mistério sempre que aparece uma obra. E às vezes, mesmo passados 20 anos, não a compreendo. E ainda bem. Fico feliz com isso. Não se pode compreender tudo.
Falar da sua obra é falar de ferro. Tantos anos depois, o que ainda o atrai neste material?
Apesar de tudo, e felizmente, ainda estou a aprender. Ainda não sei tudo, nem pouco mais ou menos. Enquanto estiver a aprender estou feliz. No dia em que deixar de aprender vou ter que repensar a minha vida. Mas continuo a aprender todos os dias com o ferro e o ferro ensina-me todos os dias mais coisas.